O primeiro painel do I Congresso Internacional do CNPG, realizado nesta quinta-feira (16/08), teve com temas as semelhanças e diferenças entre os Ministérios Públicos de diversos países, regimes jurídicos, garantias institucionais, independência funcional e hierarquia. Representantes de Portugal, França, Espanha, Estados Unidos, Argentina e Itália apresentaram as principais características e peculiaridades da atuação ministerial em seus países. A mediação foi do Supbrocurador-Geral de Justiça de Planejamento Institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Carlos Roberto de Castro Jatahy.

A Magistrada do Ministério Público francês Carla Deveille-Fontinha explicou que, apesar de em seu país o Ministério Público e a Magistratura fazerem parte de um mesmo corpo, os Membros do MP estão sujeitos a estatuto próprio. Eles são regidos por princípios como imobilidade, independência e hierarquia. A palestrante explicou, também, que a estrutura organizacional é composta da seguinte maneira: os Procuradores da República Junto aos Tribunais de Grande Instância são subordinados aos Procuradores-Gerais junto às Cortes de Atuação, que por sua vez respondem perante o Ministro da Justiça, que tem o poder de decidir nas questões de política penal. Questionada se a subordinação ao Ministro da Justiça pode limitar a atuação do Membro do MP, Deveille ressaltou que, na prática, ocorre pouca ou nenhuma intervenção, exceto em casos de grande repercussão política. Ela acrescentou que, nos últimos anos, o MP de seu país caminha para níveis maiores de autonomia.

A experiência portuguesa foi compartilhada pelo Procurador-Geral Adjunto, Diretor da Revista do Ministério Público de Portugal e Auditor Jurídico da Assembleia da República, Adriano Cunha. Ele detalhou os itens da Constituição de seu país que dizem respeito à função do MP, cujos Membros também são Magistrados e estão sujeitos à subordinação hierárquica. Cunha explicou que, de acordo com seu estatuto, cabe ao MP português “representar o Estado, participar na execução da política criminal, exercer a ação penal, assumir a defesa de interesses difusos, realizar ações de prevenção criminal, fiscalizar constitucionalidade dos atos normativos, das funções consultivas e fiscalizar atividades processual dos órgãos de polícia criminal. A possibilidade de poder advogar em causa própria ou de familiares também foi uma das prerrogativas dos Procuradores-Gerais enumeradas pelo palestrante e que chamaram a atenção da plateia por sua diferença em relação à lei brasileira.

A distinção entre autonomia e dependência funcional na Espanha foi amplamente defendida pelo terceiro palestrante, o professor Ignacio Flores Prada, do Departamento de Direito Público da Universidad Pablo de Olavide. Situando a estrutura do Ministério Público espanhol dentro do ordenamento jurídico do País, Prada destacou que a Constituição da República de 1978 significou uma ruptura com a dependência do MP ao Governo, como até então acontecia. Ele explicou que a Procuradoria-Geral, o órgão máximo do MP, é dividida em um órgão de atuação com atribuição nacional e outro territorial. Além disso, o professor defendeu que termos como dependência e independência não são capazes de dar conta do caráter assumido pelo MP na contemporaneidade, por isso, a Espanha adotou o termo autonomia funcional, por considerá-lo mais flexível e coerente com os novos desafios do MP.

Peculiaridades da atuação dos MPs nos EUA, Argentina e na Itália

O segundo painel apresentou os três palestrantes: a Promotora do Departamento de Justiça Norte-Americano e Diretora Associada Coordenadora para América do Sul do Escritório de Assuntos Internacionais, Magdalena Boynton; o Procurador do Ministério Público em Buenos Aires, Walter López; e o Procurador do Ministério Público da Itália e Membro pela Itália da EUROJUST, Francesco Lo Voi. Este painel teve como mediadora a Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) do MPRJ, Procuradora de Justiça Maria Cristina Tellechea.

Magdalena Boynton apresentou as diversas formas para que dois países consigam trocar informações sobre atividades criminosas e explicou que, entre Brasil e Estados Unidos, o fluxo é bem intenso. Ela destacou, ainda, a importância da agilidade para a atuação dos Promotores, especialmente na cooperação internacional. “Os dois países são grandes parceiros no que diz respeito à ajuda mútua no combate ao crime: são mais de 200 solicitações a cada ano. Isso é muito importante, pois os criminosos não respeitam leis nem fronteiras, e, como Promotores, precisamos de informações rapidamente”.

Em seguida, Walter López disse que, na Argentina, Promotores de Justiça não podem ser presos, a não ser que seja em flagrante delito ou caso não compareçam a algum ato processual. López explicou, ainda, como atua o Ministério Público. “Em Buenos Aires, os objetivos são promover a atuação da Justiça na defesa da legalidade dos interesses gerais da sociedade, conforme os princípios de unidade de atuação e dependência hierárquica. Além disso, o MP tem como meta preservar a normal prestação de serviços jurídicos e procurar, junto aos Tribunais, a satisfação do interesse social, e também conduzir a Polícia Judiciária”.

Ao finalizar o ciclo de palestras no primeiro dia do Congresso, Francesco Lo Voi analisou o funcionamento do MP italiano. “Temos uma carreira única para Juízes e Promotores, conforme nossa Constituição de 1948, concebida logo após a Segunda Guerra Mundial. Outra peculiaridade é que os Promotores não podem decidir se vão abrir processo ou não: têm que fazê-lo caso existam provas contundentes. Só não abrem processo se houver uma decisão judicial. Outro destaque é que temos também uma Promotoria-Geral Antimáfia, com regras específicas, concebida em 1991, e que lida com questões relacionadas a atividades mafiosas. É uma unidade que não chega a investigar, apenas coordena a atuação dos Promotores de Justiça”.

Grupos Setoriais no segundo dia do Congresso

No segundo dia do 1º Congresso Internacional do CNPG, três Grupos de Trabalho Setoriais (GTS) simultâneos trataram de temas como controle externo, crime organizado, cooperação jurídica internacional e lavagem de dinheiro. Com foco na apresentação de casos concretos, autoridades de seis países destacaram o uso de novas tecnologias no intercâmbio de informações entre agentes do Direito de países distintos. Também foram abordados o relacionamento entre Ministério Público e Polícia e necessidade de mudança na Legislação de Combate ao Crime Organizado.

Combate ao Crime Organizado

O painel Combate ao Crime Organizado teve como mediador o Subprocurador-Geral de Justiça de Atribuição Originária Institucional e Judicial do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Antonio José Campos Moreira, e contou com as palestras do Procurador do Ministério Público da Itália e Membro Italiano da EUROJUST, Francesco Lo Voi; do Promotor do Departamento de Justiça Encarregado no Combate à Lavagem de Dinheiro e na Recuperação de Ativos, Michael Burke; e do Procurador do Ministério Público da Argentina – Unidade Fiscal Sudeste – Equipe C, Walter López.

Francesco Lo Voi explicou que o combate ao crime organizado está relacionado à repressão às quatro organizações mafiosas predominantes no país: Cosa Nostra, Camorra, Ndrangheta e Sacra Corona Unita, que têm áreas específicas de influências, mas com ramificações em todo território italiano e em outros países. Após séries de atentados praticados por seus integrantes nos anos 80 que provocaram a morte de Juízes, policiais, Promotores e cidadãos, as autoridades precisaram reformular a legislação para poder enfrentá-las e enfraquecê-las. “Promovemos uma nova abordagem integrada no combate não só ao crime, mas também às organizações. Adotamos novos instrumentos legais, tais como criminalizar a associação à organização, confisco de bens ilícitos e inversão do ônus da prova para casos de desapropriação de bens e lucros. Implantamos ainda a delação premiada e um forte programa de proteção à testemunha. Tudo isso resultou em mais de 1,2 mil prisões e muitos criminosos foram condenados à prisão perpétua”.

O norte-americano Michael Burke lembrou que existe uma forte aproximação entre Estados Unidos e Itália no combate ao crime organizado e também muitas semelhanças entre as organizações criminosas brasileiras e americanas. “Nos EUA, o crime organizado tem atividades variadas. Em 1970, adotamos uma nova legislação, conhecida como RICO (Rackteering Influenced and Corrupt Organizations Act), que, em vários aspectos, se assemelha à Legislação Antimáfia italiana e foca em padrões de atividades que determinado grupo tem. Uma peculiaridade da RICO é que, em caso de condenação, todos os bens do réu são confiscados”.

Ao concluir o ciclo de palestras sobre crime organizado, Walter López disse ser limitada a competência do Ministério Público argentino no enfrentamento às organizações criminosas. “Fizemos algumas mudanças em 2003, como o começo do processo de transferências penais. Atuamos basicamente em questões relacionadas à prostituição infantil e ao trabalho escravo, que envolvem, em boa parte dos casos, imigrantes dominicanos, bolivianos e paraguaios. Em todos os processos em que os réus foram condenados, a exemplo da legislação norte-americana, todos os bens dos acusados foram confiscados”.

Controle Externo e Relacionamento com a Polícia

O Grupo de Trabalho “Controle Externo e Relacionamento com a Polícia” foi presidido e mediado pelo Procurador-Geral de Justiça da Paraíba, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho.

O primeiro a falar, o Professor e Doutor de Direito Processual da Universidade Pablo de Olavide, Ignácio Flores Prada defendeu que o MP espanhol tenha uma atuação ativa na política criminal do Estado, além de exercer sua função de órgão de garantia e fiscalização das leis. Segundo ele, devem ser observadas as mudanças político-sociais que estabelecem uma nova arquitetura de poderes, atuando cada vez mais em parcerias e coordenados entre si.

Já o Procurador do Ministério Público de Portugal, Diretor Adjunto da Revista de Direito do Ministério Público e Membro do Tribunal Constitucional de Portugal, José Manuel Ribeiro de Almeida, lembrou que na sociedade portuguesa já há um consenso no sentido de repudiar o domínio da investigação criminal pelas polícias. Foram criados no país mecanismos judiciais para controlar essas investigações a fim de coibir abusos e o uso político da força policial. Desde 1988 a investigação do processo penal cabe ao MP.

“Há o conceito de fiscalização já que a polícia está submetida ao funcionamento do MP. Funciona de duas formas: a fiscalização no âmbito do inquérito feita pelo Promotor titular do inquérito e a fiscalização de caráter mais geral, em que o Procurador-Geral pode requisitar informações sobre o andamento processual, determinar inspeções, sindicâncias, emitir diretivas no âmbito do inquérito e transmiti-las às direções das polícias para eventuais medidas administrativas. Há também a figura ocasional de equipes mistas formadas por Membros do MP, da polícia e políticos, mas sempre coordenadas pelo MP”, explicou Almeida.

Por fim, a Magistrada do Ministério Público e de Ligação para Brasil, Bolívia e Venezuela da Embaixada da França no Brasil, Carla Deveille-Fontinhas, apresentou um caso concreto de funcionamento de uma investigação cujo controle se dá de forma próxima e direta pelo Procurador-Geral.

Os Membros podem acessar o site do CNPG (www.cnpg.org.br) para ter acesso ao Manual Nacional de Controle Externo da Atividade Policial.

Cooperação e Lavagem de Dinheiro

Mediados pela Assessora da Área Internacional do MPRJ, Procuradora de Justiça Lilian Pinho, representantes de Portugal, Estados Unidos e Argentina debateram no mesmo GTS temas como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de pessoas contextualizados à Cooperação Jurídica Internacional. Os participantes apresentaram grande quantidade de exemplos de casos bem sucedidos de cooperação entre seus países e o Brasil e procuraram demonstrar que, apesar dos avanços, ainda há muito por ser feito no combate à criminalidade em escala global.

A Procuradora do Ministério Público de Portugal Fátima Adélia Martins apresentou a gênese e o funcionamento da Rede Judiciária Europeia (RJE), Instituição da qual é Secretária-Geral, contextualizando-a como novo paradigma de Cooperação Internacional. Ela explicou que a rede surgiu do esforço conjunto de diversos operadores do Direito na Europa, que no final dos anos 90 se reuniram para criar pontos de contato no território europeu para agilização de procedimentos pela via informal, ou seja, por meio do contato direto entre Membros de Ministério Público e Ministério da Justiça e Magistrados. A Procuradora enfatizou que a RJE opera de forma simples, prática e é sustentada basicamente pelas relações humanas. Atualmente, o órgão atua no mundo todo por meio de distintas redes, entre as quais a IberRed (entre América do Sul e Península Ibérica) e a CPLP (entre países lusófonos), das quais o Brasil faz parte.

Os mecanismos informais de cooperação entre Brasil e Estados Unidos contra a lavagem de dinheiro foram destaque na palestra do Adido do FBI no Brasil, Richard Cavalieros. Ele detalhou o funcionamento da estrutura policial de seu país e enfatizou a importância do Adido, por acreditar que o contato pessoal com agentes de outros países pode resultar em ações de colaboração mais efetivas, como a obtenção de informações rápidas e que podem orientar um trabalho de investigação. Como exemplo de operações bem sucedidas nas quais houve cooperação mútua entre Brasil e EUA, o palestrante lembrou o caso do Juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto (acusado de desviar verbas da construção do TRT/SP) e da Operação Satiagraha, que prendeu vários banqueiros em 2004 por desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro. Cavalieros falou, ainda, sobre as diferentes formas de lavagem de dinheiro e os benefícios do Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT), acordo em vigor desde 2002 que prevê cooperação mútua entre Brasil e Estados Unidos na área penal.

Dois milhões e meio de pessoas em todo o mundo são vítimas de redes de tráfico de pessoas, das quais 1,3 milhão é menor de idade. Desse total, 95% são vítimas de comércio sexual. Os dados alarmantes foram revelados pela Procuradora General de La Suprema Corte de Justicia de La Provincia de Buenos Aires, Maria Del Camen Falbo, terceira integrante do GTS. Ela especificou mecanismos de cooperação vigentes para combater o crime, cujo percentual de incidência é alto na América Latina e vem alarmando a comunidade internacional de Direitos Humanos. A Procuradora portenha chamou a atenção para a região da Tríplice fronteira na América do Sul (limites entre Brasil, Paraguai, Argentina), atrativa para mercadorias roupadas, armas, turismo sexual e drogas. Ela destacou que, segundo relatório do Departamento de Estado dos EUA, Colômbia e Nicarágua são reconhecidas como nações que combatem de forma eficaz o tráfico de pessoas. Já a situação cubana é considerada grave. Por fim, ela destacou que esse tipo de crime é comumente utilizado para lavagem de dinheiro na Argentina e apresentou um vídeo sobre o emblemático caso de Marita Verón, sequestrada em 2002 por uma rede internacional de prostituição e que até hoje está desaparecida.



Fonte: Ascom MPRJ





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