"Hoje não é dia de celebração. Hoje é dia de indignação." Assim o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto abriu a apresentação do relatório de atividades da força-tarefa do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que apura as causas e consequências do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, um ano atrás.

Acompanhado dos demais promotores de Justiça integrantes do grupo que coordena, Carlos Eduardo expôs pontos da atuação do MPMG como a estratégia de integração dos serviços, as garantias emergenciais, as medidas de prevenção a novos danos, a delimitação da atuação por comarcas e os impactos locais, as perícias técnicas e as vistorias, além das ações por área especializada.

Acesse aqui a íntegra do relatório.

Críticas ao acordão
Para Carlos Eduardo, o rompimento da barragem é o resultado da conjunção entre a ineficiência do Poder Público, a ganância privada e a incompetência. Ele criticou fortemente o acordo firmado, ainda no mês de março, pela União e pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo com a Vale, a Samarco e a BHP Billiton. Segundo ele, o termo, "um pacto entre amigos", produziu outra tragédia, esta processual. "Enquanto os tribunais definem quais são os competentes, os cidadãos padecem", resumiu.

Ele afirma que o chamado acordão trouxe uma blindagem para a Samarco criando mecanismos processuais que protelam definições imediatas, necessárias para a efetividade das medidas de recuperação e compensação do meio ambiente e dos atingidos. Além disso, promove uma terceirização das responsabilidades, por meio da fundação instituída, e dá às empresas total controle sobre as ações a serem tomadas.

O promotor de Justiça trata ainda como inadmissível a limitação relativa a compensações ambientais por danos irreversíveis. "O valor formalizado é R$ 3,6 bilhões, em parcelas anuais de R$ 240 milhões, durante 15 anos. Vale lembrar que, só em 2014, os investimentos previstos da Samarco eram de R$ 5,4 bilhões", disse Carlos Eduardo.

Falta de diálogo
A esse cenário se soma a leniência da Samarco no que diz respeito a medidas de reparação, conforme alerta Mauro Ellovitch, promotor de Justiça também integrante da força-tarefa, que condenou a postura de falta de negociação da Samarco. "Nosso trabalho é pela efetividade e temos a consciência de que, no que depender da atuação das empresas, essa efetividade não virá", acusa ele.

Mauro lista algumas realizações levadas a cabo apenas após o ajuizamento de ações: medidas de estudo das consequências de rompimento das estruturas remanescentes, ações para conter vazamentos de lama, que ainda acontecia na barragem, atualização dos planos de emergência, simulações realizadas nas comunidades e dragagem da barragem de Candonga.

O MPMG aponta como demonstração cabal da inoperância da Samarco e suas controladoras o desinteresse pela retirada da lama que vazou, ainda depositada em áreas de preservação permanente de rios e nas cidades atingidas. Segundo Mauro Ellovitch, houvesse a empresa aceitado qualquer tipo de negociação, a remoção poderia estar em andamento, minimizando o risco de que os sedimentos sejam carreados para os cursos d'água durante o período chuvoso. "Cada centímetro de lama é resultado de beneficiamento de minério pelo qual as empresas lucraram muito. E agora parece-nos que a ideia é deixar que a sociedade absorve essa lama", lamenta ele.

Em Governador Valadares, somente após as primeiras condenações em ações judiciais individuais, que impuseram à Samarco o pagamento de indenizações entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, a empresa passou a oferecer acordos às demais famílias, no valor de R$ 1 mil para cada uma. "Na verdade, eles não estão pagando R$ 1 mil, mas economizando R$ 9 mil", disse o promotor de Justiça Evandro Ventura.

Patrimônio histórico e cultural
O coordenador estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico do MPMG, Marcos Paulo de Souza Miranda, afirma estar diante da maior tragédia em relação ao patrimônio cultural de Minas Gerais e uma das maiores do país. Pela antiguidade do povoamento da região, ela guarda importantes resquícios arquitetônicos, como templos do século XVIII, casarões, sobrados, pontes, além de peças sacras e centenas de outros bens que foram varridos pela lama.

Também houve danos graves ou irreversíveis em antigas minas de extração de ouro, em parte da Estrada Real e no patrimônio espeleológico – grutas e cavernas – com grande perda de conhecimento científico, além da destruição do patrimônio imaterial, formado pelos pertences e pelas celebrações dos moradores dos distritos afetados, hoje, impedidos de retornar a seus antigos lares. "As empresas se apropriaram da área atingida como se proprietárias fossem, desde o dia seguinte ao desastre, passando a geri-la", acusa Marcos Paulo.

Técnica antiquada
Marcos Paulo informou que 43% das barragens de mineração em Minas Gerais são construídas com a técnica de alteamento para montante, prática proibida em alguns países, mas permitida em Minas Gerais. Ele cita um decreto, de maio deste ano, que suspende a possibilidade de implantação de novas barragens com a utilização desse método. Entretanto, o artigo oitavo do decreto permite que as empresas que já solicitaram o licenciamento ambiental junto ao órgão competente tenham seus processos finalizados livremente.

Em decorrência disso, demonstrou ele, 17 municípios estão hoje com pedidos de licenciamento nessa modalidade. "Isso significa nada menos do que uma bomba com o pavio aceso. E o Estado continua a chancelá-los", disse Marcos Paulo, que revelou ter proposto, nesta sexta-feira, uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Estado de Minas Gerais requerendo a nulidade desse dispositivo do decreto.

Veja aqui texto sobre a ACP.

Outra iniciativa nesse sentido foi o projeto de lei de iniciativa popular que resultou da campanha "Mar de lama nunca mais", e que busca garantir a efetiva segurança das barragens destinadas à disposição final ou temporária de rejeitos de mineração no estado. Entregue à Assembleia Legislativa em julho de 2016, ele superou o número de 56 mil apoiadores, de 737 municípios mineiros, além de outros estados. "Foram 365 dias de muito trabalho de todos os promotores de Justiça e nós continuaremos a vigiar por muito tempo. Não descansaremos até o último metro cúbico de lama ser retirado dos nossos rios", concluiu Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

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04/11/2016