Paraná – Membros do MP-PR analisam mudanças no Código de Processo Civil
As alterações trazidas pelo novo Código de Processo Civil (CPC), que entrou em vigor no dia 18 de março, e o impacto dessas inovações no trabalho de promotores e procuradores de Justiça e dos demais operadores do Direito, foram analisados pelos promotores de Justiça Mauro Sérgio Rocha, Cláudio Smirne Diniz e Eduardo Cambi e pelo procurador de Justiça Marco Antônio Corrêa de Sá, todos com atuação especializada na matéria. Na opinião dos estudiosos, o novo diploma legal – cuja regulamentação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), será objeto de audiência pública no próximo dia 11 –, em termos gerais, traz algumas melhoras dignas de realce no sistema processual brasileiro e apresenta avanços que merecem elogios. Mas também deixa lacunas em pontos nos quais poderia ter avançado.
Conheça, abaixo, a análise conjunta das principais alterações trazidas pela nova legislação, bem como o quadro sintético, contendo vinte principais alterações do novo CPC.
Princípios adotados – Eduardo Cambi louva o fato de o CPC haver assumido expressamente alguns princípios que devem nortear os processos judiciais, como, por exemplo, o da boa fé, para evitar conluios e fraudes e que o processo seja utilizado como meio protelatório. Outro princípio abraçado pelo CPC é o da colaboração processual: o juiz terá que ouvir as partes antes de decidir. O contraditório é obrigatório, mesmo nas questões de ordem pública, e as partes devem colaborar entre si para que haja a duração razoável do processo e, na medida do possível, a definição do mérito.
Corrêa de Sá ressalta que tal princípio tem como sucedâneo o parágrafo único do artigo 932, que prevê o dever do relator de, antes de considerar inadmissível o recurso interposto, conceder prazo ao recorrente para sanar vício ou complementar a documentação exigível. Cláudio Diniz lembra ainda que decorre dos princípios adotados pelo CPC a interpretação do pedido de acordo com o conjunto da postulação, em substituição à interpretação restritiva vigente no Código anterior.
Ênfase na conciliação e na mediação – Uma das premissas do Código atual é o fomento à conciliação e à mediação. Apesar disso, explica Mauro Rocha, “só a alteração na lei não vai produzir esse efeito”. Segundo ele, é preciso que o profissional do Direito esteja convencido de que deve buscar uma solução amistosa para o litígio. “Embora seja comum que se tente isso extrajudicialmente, é preciso imaginar como possível haver essas conciliações também dentro do processo. E o Ministério Público tem papel importante na tentativa de fazer com que as partes cheguem à solução amigável do conflito”, ensina o promotor. Para que a busca de conciliação e mediação torne-se frequente, entretanto, é preciso haver uma mudança de postura, defende Rocha. Eduardo Cambi ressalta que agora é obrigatória uma audiência de conciliação antes da resposta do réu, o que incentiva a autocomposição, na expectativa de maior pacificação dos litígios e menor judicialização das demandas.
Demandas repetitivas – Casos iguais devem receber tratamentos iguais. Se a situação de uma demanda for idêntica a outras já julgadas, a provocação inicial da parte autora sequer merecerá sequência. Entretanto, isso não significa um “engessamento” do direito, uma vez que o julgador poderá decidir de modo diferente caso a situação concreta não for a mesma dos julgados já estabelecidos – caberá à parte autora provar essa diferença.
Para o Ministério Público, é importante ainda o incidente de demandas repetitivas. “Dos mais de 100 milhões de processos em tramitação na Justiça, cerca de 65% são de litigantes habituais, como o Poder Público, as concessionárias de telefonia e os bancos”, explica Cambi. Como há muitas demandas idênticas, com o incidente de demandas repetitivas – uma vez identificado que determinada demanda está sendo reproduzida em massa – o tribunal é chamado a resolver a questão de direito. Uma vez resolvida, os juízes devem aplicar esse entendimento e julgar rapidamente os processos, evitando que tenham que chegar até os tribunais superiores.
Rocha ressalta que o MP passou a ter protagonismo relevante na uniformização das decisões e, consequentemente, na formação de precedentes judiciais, graças ao incidente de resolução de demandas repetitivas, que promove a uniformidade do direito. Nesses casos, alerta Diniz, o Ministério Público deverá sempre atuar, ainda que não se trate de matéria que, a princípio, recomendasse sua intervenção.
Marco Antônio Corrêa de Sá destaca ainda a importância do “incidente de assunção de competência”, que pode ser proposto pelo MP e visa dirimir controvérsia que envolva relevante questão de direito, com grande repercussão social, no julgamento de recurso em sede de remessa necessária ou nos processos de competência originária, cuja decisão vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, salvo se houver revisão da tese.
Simplificação da atuação processual – O novo Código transforma em lei entendimentos já consolidados na jurisprudência, o que torna mais simples a atuação processual. É o caso, por exemplo, dos embargos declaratórios: o próprio voto divergente em decisão colegiada, de si, já possibilita o recurso à corte superior, sem necessidade de nova avaliação pelo mesmo colegiado. “A sistemática recursal, em geral, sofreu modificações para melhor”, analisa Rocha.
Cambi lembra ainda, nesse sentido, a questão da estabilização da demanda: caso seja pedida uma tutela provisória em caráter antecedente, ela se estabiliza se a parte contrária não a impugnar por meio de agravo de instrumento. As partes têm dois anos para pedir a revogação ou modificação dessa decisão, sob pena de estabilização da demanda. Não é mais necessário um procedimento ordinário para conseguir o resultado desejado se não ocorrer a impugnação pela parte contrária.
Interessante também, para Cambi, é a tentativa de tornar o processo menos burocrático e formal. “Toda a defesa é concentrada na contestação. Foi priorizado o saneamento do processo. O relator, no tribunal, pode agora superar as nulidades e julgar o mérito da causa sem a necessidade de retornar o processo ao primeiro grau”.
Adoção impositiva do princípio do tempo razoável do processo – Tal princípio, de imposição constitucional pela Emenda 45, agora está expresso no CPC, que criou vários instrumentos para agilizar o trâmite dos processos. Algumas tutelas (como, por exemplo, a tutela de evidência) foram criadas para resolver os conflitos de forma mais rápida. O Código resolve em parte o excesso de recursos, embora não possa alterar alguns que têm previsão constitucional. Entretanto, deve ser feita uma ressalva: os embargos infringentes, tão criticados, “saíram pela janela e entraram pela porta”, afirma Rocha, já que foram abolidos, mas substituídos por expediente que tem o mesmo efeito.
Exigências quanto à fundamentação das decisões – A nova norma especifica regras para a fundamentação das decisões pelo julgador. Embora já vigorasse o preceito de que decisão não fundamentada é nula, o CPC agora define claramente as características necessárias para uma fundamentação aceitável, que não pode ser genérica ou vaga. “Isso exige uma explicitação melhor dos argumentos, especialmente quando uma parte invoca precedentes judiciais. O juiz terá que analisar, fundamentadamente, se o precedente se aplica ou não ao caso concreto. Isso promove maior segurança jurídica, ao assegurar o princípio da igualdade processual. Além disso, pode reduzir o número de demandas, já que a vinculação aos precedentes dá maior agilidade na prestação jurisdicional”, explica Cambi. Diniz ressalta que os mesmos critérios quanto à fundamentação aplicam-se também aos pronunciamentos do Ministério Público.
Votos vencidos – Corrêa de Sá diz ser digna de elogio outra inovação do CPC, ao prever, no artigo 941, § 3º, que os votos vencidos passam a integrar o acórdão para todos os fins legais, inclusive para fins de prequestionamento. “Com tal medida, o estatuto processual deixa de exigir, para fins de prequestionamento, a interposição prévia do recurso de embargos de declaração, providência necessária durante a vigência do código anterior (superada, dessa forma, a Súmula 320/STJ)”, comenta.
Possibilidade de inversão do ônus da prova – O normal, num processo judicial, é que o ônus incumba a quem alega – ou seja, cabe ao autor provar o que constitui seu direito, assim como cabe ao réu provar o que gera a extinção do direito do autor. Esse princípio (da distribuição estática do ônus da prova) continua o mesmo no novo CPC, no entanto, abre-se a possibilidade, em casos excepcionais, de inversão do ônus da prova em determinadas situações em que isso se justifique (impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário).
Na visão de Cambi, a inversão facilitará a atuação do Ministério Público, uma vez que é admitida quando o acesso às provas for mais fácil para o réu do que para o autor. Tal procedimento poderá ser requerido, por exemplo, em ações civis públicas por dano ambiental ou relacionadas ao direito à saúde e à educação, ou ainda em ações ligadas ao patrimônio publico.
Livre trânsito dos recursos entre as cortes superiores – Outra importante inovação, conforme Corrêa de Sá, é a previsão do livre trânsito de recursos entre o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça: “Tal inovação permitirá que as duas cortes cumpram, com maior efetividade, a sua função constitucional de conferir adequada interpretação ao direito e formação de precedentes a serem observados”. O novo código determina (artigo 1.032) que o relator, no STJ, caso entenda que o recurso especial interposto versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo (de 15 dias) ao recorrente para que demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Cumprida a diligência, o relator remeterá o recurso ao STF, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao STJ. Por sua vez (artigo 1.033), se o STF, ao analisar recurso extraordinário, considerar como reflexa a ofensa apontada à Constituição, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, poderá remetê-lo ao STJ para julgamento como recurso especial.
Regulamentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – Antes das alterações promovidas pelo novo CPC, não havia forma processual definida de requerimento da desconsideração da personalidade jurídica. No procedimento agora instituído, exige-se a citação do sócio ou da pessoa jurídica para responder e requerer a produção de provas no prazo de 15 dias, modificando orientação sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que entendia prescindível a citação.
Críticas – Para Mauro Rocha, a maior crítica que se pode fazer ao novo Código é a falta de um progresso significativo na tutela dos direitos coletivos: “O novo CPC ainda é muito voltado aos direitos individuais”. Ele explica que a maior parte das alterações incluídas no Código já vigorava na legislação ou já estava definida por via jurisprudencial. “As alterações do novo código foram muito tímidas. O novo CPC praticamente reproduziu o que já havia no diploma anterior, apenas acomodando questões terminológicas àquilo que consta da Constituição Federal”, diz. Mauro Rocha critica ainda o fato de a atualização da norma não haver deixado mais claro quais são os casos que geram ou não intervenção do Ministério Público, questão que continua discutível mesmo com o novo diploma legal.
Eduardo Cambi, por sua vez, lamenta a manutenção do efeito suspensivo nas apelações: “O ideal seria prestigiar a Justiça de primeiro grau, mais próxima dos fatos, onde se colhem as provas. A regra deveria ser o cumprimento imediato da decisão, como acontece com o Código de Defesa do Consumidor, cabendo excepcionalmente ao tribunal aplicar o efeito suspensivo”.
Cláudio Diniz critica também o tratamento dado ao Ministério Público, que passa a ser similar ao que é dado à Defensoria e à Advocacia Públicas – portanto, sem considerar que a justificativa da atuação do MP no processo é o interesse coletivo ou interesse socialmente relevante. “Exemplo disso está na possibilidade de requisição dos autos pelo Judiciário, decorrido o prazo legal, quando, na verdade, a demora deveria ensejar a apuração da responsabilidade do agente e não o prosseguimento do processo sem a intervenção.
Marco Antônio Corrêa de Sá afirma que a contagem de prazo em dias, considerando-se somente os dias úteis, “representa um retrocesso em relação aos princípios da celeridade e do tempo razoável do processo e contribuirá, de forma significativa, com a demora na prestação jurisdicional”.