Artigo em O Estado de São Paulo critica PEC 37
Aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, a proposta de emenda constitucional (PEC) que restringe os poderes de investigação do Ministério Público (MP) é um golaço para o time da corrupção. Ainda não foi aprovada em plenário, mas deve ser encarada como um grave entrave ao combate à corrupção. O Ministério Público corre o risco de ser impedido de investigar. E isso, certamente, não será bom para o Brasil.
É preciso refletir sobre os riscos de uma proposta que visa a cercear, tolher e manietar a instituição que, de forma mais eficaz e notória, combate a crônica impunidade reinante no País. De fato, o Ministério Público, em colaboração com a Polícia Federal, tem conseguido esclarecer diversos casos de corrupção. Tratam-se de instituições que prestam inestimável serviço à sociedade.
Será que o Ministério Público, que é a instituição que forma as convicções sobre a autoria dos crimes, não pode fazer diligências para ele mesmo se convencer? Está em andamento um movimento para algemar essa instituição. Se o Congresso Nacional excluir o MP do processo investigatório, o reflexo imediato será o questionamento sobre a legalidade e até mesmo a completa anulação de importantes apurações.
Vejo com bons olhos o protagonismo do Ministério Público no combate aos predadores da sociedade. Se alguns de seus membros cometem abusos, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de controle, em vez de restringir a sua atuação. Se não houver uma mobilização da opinião pública contra a chamada PEC da Impunidade, a sociedade pode descobrir tarde demais que os corruptos estão ganhando um passaporte definitivo para a impunidade.
Alguns políticos vislumbram abusos em certas ações do Ministério Público e querem esvaziar as atribuições investigatórias da instituição. Trata-se de uma proposta contrária aos interesses da sociedade. Se existe uma instituição que tem contribuído para a construção de um novo País, democrático e republicano, é o Ministério Público, responsável pela vigilância no gasto do dinheiro público, na defesa do meio ambiente e na ação contra criminosos, incluindo aqueles com maior poder econômico ou político.
O papel do Ministério Público, guardadas as devidas proporções, aproxima-se, e muito, da dimensão social da imprensa. A atividade exige, por óbvio, independência e sensibilidade ética. Preocupam-se alguns comos riscos de prejulgamento que podem advir de uma declaração precipitada e pública da autoridade (leia-se do Ministério Público) estampada em manchete de jornal. Procuram, por isso, criar um sistema que proteja a intimidade e garanta a presunção de inocência de pessoas submetidas a um processo investigativo. Esse cuidado legítimo, contudo, pode transformar em regra o que deveria ser rigorosamente uma exceção. O segredo de Justiça pode ser uma salvaguarda da honra. A experiência, no entanto, demonstra que essa cautela jurídica tem, frequentemente, sido uma aliada da impunidade.
O princípio da presunção de inocência deve, claro, ser garantido, mas não à custa da falta de transparência. O princípio constitucional da publicidade, pelo qual qualquer cidadão tem direito a obter das autoridades públicas informações de interesse pessoal e geral, é, na expressão do ministro Celso de Mello,do Supremo Tribunal Federal (STF), “verdadeira pedra angular sobre a qual se edifica o Estado Democrático de Direito, pois a exigência de transparência na prática governamental qualifica se como prerrogativa inalienável que assiste a todos os cidadãos”.
Fatos recorrentes evidenciam a importância da informação jornalística e da ação do Ministério Público como instrumentos de realização da justiça. Alguém imagina, por exemplo, que o julgamento do mensalão teria sido possível sem a pressão de um autêntico jornalismo de denúncia? O Ministério Público, muitas vezes, é acionado por fundamentada apuração jornalística. É o ponto de partida. Ninguém discute que o Brasil tem avançado graças ao esforço dos meios de comunicação, mas também graças ao trabalho do Ministério Público. A informação é a base da sociedade democrática. Precisamos, sem dúvida, melhorar os controles éticos da notícia. Consegue-se tudo isso não com censura ou limitações informativas, mas com mais informação e com mais pluralismo.
O mesmo se pode dizer do trabalho do Ministério Público. Como escreveu a jornalista Rosane de Oliveira, respeitada colunista de política do jornal Zero Hora, “em um país em que a polícia carece de recursos para investigar homicídios, tráfico de drogas, roubo de carros e outros crimes, não se compreende a briga pela exclusividade na investigação, típica disputa de beleza entre as corporações. Em vez de as instituições unirem forças, tenta-se com essa emenda constitucional impedir o Ministério Público de investigar. Mais fácil é entender o sucesso do lobby no Congresso: boa parte da classe política não suporta os promotores com sua mania de investigar denúncias de mau uso do dinheiro público. Entre promotores e procuradores, uma das frases mais repetidas é que uns não gostam do Ministério Público porque não conhecem seu trabalho e outros, porque conhecem bem demais”.
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Congresso Nacional não decida de costas para a cidadania. É preciso que a sociedade civil, os juristas, os legisladores, você, caro leitor, e todos os que têm uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública façam chegar aos parlamentares, com serenidade e firmeza, um clamor contra a impunidade e uma defesa contundente do papel do Ministério Público no combate à corrupção.
Carlos Alberto é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). E-mail: difranco@IICS.ORG.BR
PEC da Impunidade restringe os poderes do Ministério Público de investigar corruptos
Texto – de Carlos Alberto di Franco, publicado nesta segunda-feira (07) em O Estado de São Paulo