BELÉM:MPE por meio do Ceaf inicia calendário de aulas do Curso de aperfeiçoamento em Direito Agrário
O curso realizado pelo Ceaf e titulado pela UFPa contempla membros e servidores do MP, do TJE, Iterpa e Defensoria Pública
A professora e socióloga Violeta Refkalefshy Loureiro proferiu na quinta (16) a aula inaugural referente ao módulo 1.1, do “Curso de aperfeiçoamento em Direito Agrário com o tema “Amazônia: Territórios e Conflitos com cinco horas de duração.
O curso previsto em 9 módulos é promovido pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPE) por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPa).
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AULA – Na abertura do calendário de aulas e sob o tema “Amazônia: Territórios e conflitos”, a professora Violeta Loureiro da Universidade Federal do Pará (UFPa) abordou o tema sob a ótica do processo histórico da criação e formação de municípios amazônicos com ênfase a questão fundiária.
Segundo a professora Loureiro o processo de ocupação da Amazônia resultou num grande fracasso fruto de uma política equivocada do governo central, política essa engendrada pelo poder político no planalto central e implantada pelo regime ditatorial na planície amazônica.
A socióloga Loureiro diz ainda que esse processo de ocupação de forma desordenada implantada nas últimas quatro décadas na região teve conseqüências nefastas com o aniquiliamento de milhares de famílias que migraram para a região amazônica na esperança de ter acesso a trabalho e a terra. Era a política sob a égide do regime militar de frases de efeitos como “Integrar para não entregar” ou como no caso da Transamazônica – criada para a estrada do desenvolvimento, com o slogan de “Terras para homens sem terras”.
De fato o governo central doou terras às margens da Transamazônica, mas deixou essas populações entregues a própria sorte. Sem nenhum tipo de assistência técnica e social e acesso a crédito bancário para suas lavouras. Na avaliação da professora Loureiro a política do governo central além de promover o caos fundiário abandonou os colonos nas áreas assentadas.
Outra falácia do governo à época os chamados grandes projetos instalados na região acabaram se tornando verdadeiros enclaves econômicos na região. Ou seja, não internaliza nenhum benefício aos amazônidas. Citou como exemplo, o caso de Carajás que até hoje exporta minério de ferro e não agrega valor econômico na região e no seu entorno. Os chamados produtos semi-elaborados são produzidos fora do país e, portanto, não gera riqueza a quem fornece a matéria prima.
O estudo da professora Violeta Refkalefshy e de Jax Nildo Aragão Pinto sobre a questão fundiária na Amazônia expressa o seguinte resumo: “O estudo faz um histórico da questão agrária amazônica, enfatizando os problemas sociais e fundiários criados durante a ditadura (transferência da terrapública para grupos privados, concessões e favorecimentos, grilagem, fraude,trabalho escravo, pistolagem etc) e os novos que a eles se somaram nas décadas seguintes e que, como os anteriores, igualmente não foram resolvidos. Procura mostrar a gravidade da questão agrária amazônica e o caos fundiário nela instaurado”.
Leia mais abaixo sobre o assunto em material produzido pelos estudiosos.
O estudo cita algumas fontes para a compreensão do problema atual.
A ocupação da terra até a ditadura militar
Até meados dos anos de 1960, as terras amazônicas pertenciam basicamente à União e aos estados. Do total das terras registradas pelo IBGE, 87% constituíam-se de matas e terras incultas, que eram exploradas por milhares de caboclos e ribeirinhos que viviam do extrativismo vegetal e animal; 11% constituíam-se de pastos naturais onde antigos fazendeiros haviam assentado fazendas de gado, sendo muitas delas seculares, como as do Marajó, de Roraima e do Baixo Amazonas, cujos títulos de terra eram igualmente antigos.
Essas poucas fazendas eram como que “ilhas” de criação de gado nos campos naturais (abundantes na região) e não em pastos formados em cima de mata derrubada ou queimada como hoje. A mata e os rios estavam preservados e eram aproveitados pelos habitantes como fonte de alimento, trabalho e vida.
Somente 1,8% das terras estavam ocupadas com lavouras e só metade delas possuía título de propriedade privada. A quase totalidade das terras da Amazônia era, portanto, constituída por terras públicas e “livres” de titulação como propriedade privada.
Eram ocupadas por milhares de pequenos posseiros, que nelas haviam constituído seu trabalho efetivo (como extrativistas na coleta de frutos, raízes, óleos, resinas e sementes das matas, em geral exportados para os mais diversos fins – industriais, medicinais ou alimentares; ao lado disso cultivavam roçados minúsculos, plantavam pomares e hortas nos quintais e praticavam a pesca em rios e lagos).
Os naturais da região habitavam essas terras secularmente, sem disputa ou conflito, assim como muitos migrantes de longa data. Viviam uma vida frugal, modesta, pacífica e cuja monotonia era quebrada pelas raras festividades de santos. Os moradores da região consideravam a terra como parte indissociável de suas existências, tendo habilitado nelas por gerações seguidas, sem se terem jamais questionado sobre a existência de donos mais legítimos que eles próprios.
Transformações e conflitos fomentados pelo próprio Estado na Amazônia
Durante os anos de 1960 e 1970, os principais obstáculos ao desenvolvimento dos países periféricos e de regiões atrasadas economicamente como a Amazônia eram atribuídos a dois problemas básicos: à insuficiência de capitais produtivos e deinfra-estruturas capazes de pôr em marcha novos investimentos. Na época, essas e outras teorias com enfoques semelhantes entendiam que seria possível atrair capitais produtivos, organizados sob a forma de conglomerados econômicos, vindos de outros pontos do Brasil e do exterior, desde que fossem oferecidas vantagens capazes de atrair esses capitais para a região. Assim, o novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia – posto em prática pelos governos militares pós- 1964 para desenvolver e integrar a região ao mercado nacional e internacional – inspirava-se nessas concepções teóricas, feitas as adaptações que os militares e a tecno-burocracia julgaram conveniente fazer para aquele momento da ditadura.
A proposta baseava-se em oferecer inúmeras vantagens fiscais a grandes empresários e grupos econômicos nacionais e internacionais que quisessem investir novos capitais nos empreendimentos que viessem a se instalar na região. Seu principal instrumento eram os incentivos fiscais, reorientados legalmente em 1967, principalmente para a pecuária, a extração madeireira, a mineração, atividades que, simultaneamente, requerem grandes quantidades de terra, destinam-se à exploração de produtos primários ou semi-elaborados e geram poucos empregos.
Eram concedidos (via Sudam e Basa) aos empresários por longos períodos (dez a quinze anos). Por meio dos incentivos fiscais, as grandes empresas beneficiadas poderiam destinar uma parte ou até a totalidade do imposto de renda que deveriam pagar ao governo, para criar com aqueles recursos novas empresas na região. Além disso, o governo ainda disponibilizava recursos financeiros a juros muito baixos e até negativos e concedia um sem-número de outras facilidades.
Dessa forma, o Governo Federal abriu mão do dinheiro com o qual poderia modernizar as atividades tradicionais dos pequenos e médios produtores da região ou para investimentos sociais, como escolas, hospitais etc.; preferiu transferir esses recursos para grandes empresas.
Muitos empresários não investiram os recursos em novas empresas na região, mas sim na compra de terras para simples especulação futura; alguns aplicaram-nos em suas empresas situadas noutras regiões do país; e várias empresas foram criadas de forma fictícia. Outras (como a Volkswagen, o Bamerindus etc.) devastaram grandes extensões de terras cobertas por ricas florestas e transformaram essas áreas em pasto para a criação de gado, desprezando a enorme disponibilidade de pastos e campos naturais; enfim, trouxeram grandes prejuízos ecológicos, desperdiçaram ou desviaram os recursos públicos colocados à sua disposição, criaram poucos empregos e não trouxeram o prometido desenvolvimento para a região.
Ainda assim, o modelo permanece até hoje sem grandes alterações, apesar do fracasso notório dessa política, seja do ponto de vista ambiental, econômico ou social. As facilidades legais concebidas para atrair empresários estimulavam o acesso a grandes extensões de terra e à natureza em geral. Para transferir a terra pública (devoluta) para os grandes grupos econômicos e garantir a propriedade da terra aos pretensos investidores futuros, o governo alterou a legislação existente e criou dispositivos legais extraordinários e de exceção.
Além disso, o Governo Federal oferecia garantia de infra-estruturas para os novos projetos (estradas, portos, aeroportos e outros). Às margens das estradas, a devastação florestal foi rápida e a disputa de terras privilegiadas às margens delas gerou, desde o fim dos anos de 1960, conflitos de toda ordem, que só foram aumentando nas décadas seguintes, à medida que o modelo de desenvolvimento se estruturava. Comprometeu-se ainda o Governo Federal em trazer mão-de-obra barata de outros pontos do Brasil (nordestinos que fugiam da seca, em especial), para atuar nas frentes de trabalho (abertura de estradas, desmatamento, construção de portos, aeroportos etc.). Esses milhares de trabalhadores, após concluídas as obras, ficaram na região em busca de terra e das oportunidades de trabalho que, de qualquer forma, lhes pareciam ser – na Amazônia –, mais promissoras do que aquelas que já conheciam e haviam enfrentado em suas terras de origem. A população da Amazônia, que era de 2.601.519 habitantes em 1960, havia ascendido a 4.197.038 em 1970.
Grilagem e conflito convertem-se em práticas no cotidiano da região
Se a concentração de renda provocada pela política de incentivos era por si só danosa para a região (já que beneficiava apenas os grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros), o dano maior, entretanto, estava ligado à questão da terra. Nos anos de 1970 e 1980, a terra pública, habitada secularmente por colonos, ribeirinhos, índios, caboclos em geral, foi sendo colocada à venda em lotes de grandes dimensões para os novos investidores, que as adquiriam diretamente dos órgãos fundiários do governo ou de particulares (que, em grande parte, revendiam a terra pública como se ela fosse própria).
Em ambos os casos, era freqüente que as terras adquiridas fossem demarcadas pelos novos proprietários numa extensão muito maior do que a dos lotes que originalmente haviam adquirido. Desde os anos de 1960, tornaram-se comuns certas práticas que ainda hoje ocorrem objetivando a grilagem de terras, tais como: a venda de uma mesma terra a compradores diversos; a revenda de títulos de terras públicas a terceiros como se elas tivessem sido postas legalmente à venda através de processos licitatórios; a falsificação e a demarcação da terra comprada por alguém numa extensão muito maior do que a que foi originalmente adquirida, com os devidos documentos ampliando-a; a confecção ou adulteração de títulos de propriedade e certidões diversas; a incorporação de terra pública a terras particulares; a venda de títulos de terra atribuídos a áreas que não correspondem aos mesmos; a venda de terra pública, inclusive indígena e em áreas de conservação ambiental, por particulares a terceiros; o remembramento de terras às margens das grandes estradas federais, que em anos anteriores haviam sido distribuídas em pequenos lotes para fins de reforma agrária a agricultores e a posterior venda dos lotes, já remembrados, transformando-os em grandes fazendas de gado; e ainda, mais recentemente, a venda de terra pública pela internet como se os vendedores fossem seus reais proprietários, com base em documentação forjada”.
Texto e fotos – Edson Gillet