CHAVES: MPPA denuncia médico por omissão de socorro e homicídio culposo contra criança
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), representado pela promotora de Justiça em exercício no município de Chaves, arquipélago do Marajó, Pará, apresentou denúncia criminal em forma de Ação Penal (AP) contra o médico Carlos Tiago da Silva Serra, pela morte da criança A. H. B. T., 2 anos e 9 meses de idade.
Segundo a denúncia encaminhada ao Juiz de Chaves pela promotora, por volta das 12:30 horas, na Unidade Mista de Saúde de Chaves, o médico contratado do Hospital Municipal de Chaves, Carlos Tiago da SIlva Serra agindo culposamente, assassinou a criança A.H.B.T., ao ordenar que fosse injetado no menino um soro antiescorpiônico quase vinte e quatro horas depois da picada de escorpião sofrida pela vítima, ocorrida no dia anterior, por volta das 15 horas.
A promotora entendeu que o médico assassinou culposamente o menino, ao aplicar-lhe o soro antiescorpiônico quase 24 horas depois da picada, bem como omitiu-se de socorrê-lo quando se apresentou no hospital, ainda de madrugada.
Antes de ordenar a aplicação do soro, por volta das 2 horas da madrugada, o médico Carlos Tiago já havia praticado outro crime contra a vítima, ao se omitir de prestar-lhe atendimento médico no Hospital Municipal de Chaves, assim como, depois de injetar o soro, ao ver a criança entrando em sofrimento de morte, o médico a abandonou para morrer sozinha e sem socorro no hospital, fugiu de Chaves, tomando um barco para Macapá, bem antes da chegada do helicóptero de resgate.
“O médico se recusou a atender o bebê de madrugada, e o abandonou para morrer sozinho depois de lhe ter aplicado um soro que causou sua morte. Sua conduta foi criminosa do ponto de vista médico e indigna do ponto de vista humanitário, diz a promotora.
Entenda o caso:
Consta do procedimento policial que apurou a morte do menino que no dia 28 de março de 2015, por volta das 15 horas, na ilha Mexiana, Igarapé Pau Mulato, município de Chaves, onde a vítima residia com seus pais, a criança foi picada por um escorpião cuja espécie se supõe seja a Tityus cambridgei Pocock, espécie encontrada no Estado do Pará.
O pai do menino percebeu o ocorrido e matou o animal, e aplicou um medicamento caseiro sobre a picada, seguindo o conhecimento tradicional dos ribeirinhos do arquipélago do Marajó.
Depois de um tempo, a criança adormeceu, sinalizando que a dor diminuíra.
No entanto, após algumas horas, o menino acordou com náuseas. O pai, procurou, então atendimento médico na sede do município, no Hospital de Chaves.
O pai da vítima conseguiu um barco por volta das 08 da noite e saiu da ilha Mexiana com destino a sede de Chaves.
Por volta de 1 hora da madrugada, a criança deu entrada na Unidade Mista de Saúde de Chaves. Inicialmente a criança foi atendida pela técnica de enfermagem Nieda de Paula Sena que, depois de fazer as verificações recomendadas, imediatamente telefonou para o médico (acusado), que estava de sobreaviso naquela madrugada. A ligação durou meros 40 segundos, pois o médico nem sequer perguntou o estado de saúde da criança, tendo se dignado a apenas dizer que não era emergência “mande a criança embora e retornar de manhã”, disse.
A técnica cumpriu a determinação do médico, dizendo ao pai da criança que retornasse pela manhã.
Ao amanhecer, o pai da vítima a levou novamente e foi recebido pelos técnicos de enfermagem Cheila Furtado de Andrade e Edimilson Borges de Melo, mas o médico ainda não havia chegado ao trabalho.
Duas horas depois, por volta das 9 horas, sem que houvesse chegado o médico, os técnicos aplicaram um soro endovenoso no garoto. Porém, passada uma hora, a agulha do soro saiu do braço da criança.
Às 11 horas da manhã, a criança estava estável quando, finalmente, o médico chegou ao hospital. Primeiramente, ele foi verificar outros pacientes e, depois, foi ver a criança picada de escorpião. Depois de examiná-la, ele autorizou a aplicação de um soro antiescorpiônico.
Passados alguns minutos da aplicação do soro, a vítima começou a reclamar de dor e a chorar muito. Depois passou a tossir e a expelir sangue pela boca. O pai do menino questionou a situação com a técnica Cheila, mas esta afirmou que aquela reação era normal por causa da tosse.
A técnica Cheila procurou o médico para receber orientação sobre como proceder diante daquela nova situação após o soro antiescorpiônico. O médico(acusado) avaliou o menino e disse para o pai que havia necessidade de levá-lo para a capital, pois o estado da criança havia se agravado.
Depois de pedir para a secretaria de saúde chamar o helicóptero de resgate, o médico disse para o pai da criança que iria acompanhá-los até Belém e portanto, precisaria apanhar seus pertences em casa. Foi a ocasião em que tomou um barco e fugiu para Macapá.
Por volta das 15:30 horas, o helicóptero de resgate chegou ao Município, trazendo duas médicas. Logo que adentrou na aeronave, a vítima intensificou o vômito de sangue e faleceu antes mesmo da decolagem.
Ao serem informadas da situação, as médicas disseram que o procedimento adotado pelo acusado foi equivocado, pois o soro antipeçonha só é recomendado em até seis ou oito horas depois da picada e, jamais, como ocorrido, quase vinte e quatro horas depois do fato.
O médico foi denunciado por três crimes:
homicídio culposo, previsto no artigo art. 121, §§3º e 4º do Código Penal Brasileiro(CPB),
omissão de socorro, duas vezes, previsto no Art. 135 § único, segunda parte, do CPB.
Além da ação penal, a promotora irá ingressar com Ação Civil (AC) de indenização contra o médico, em favor dos pais da vítima.
“No momento em que o médico se recusou a atender à criança de imediato, este foi primeiro ato desumano e criminoso praticado pelo médico Carlos Tiago para com aquela pobre criança. Isso porque, a realidade de Chaves é precária, não existem táxis e, nos primeiros meses do ano, chove muito todas as madrugadas. E foi desta maneira, debaixo de chuva e com náuseas que a criança retornou para a casa de uma família que os abrigou naquela noite”, ressalta a promotora Ana Maria Magalhães.
Texto: PJ de Chaves
Revisão: Venícius