Pernambuco – MPPE recebe inquérito dos homicídios de Poção
Os promotores de Justiça Ana Clézia Nunes e Edeilson Lins de Souza Júnior receberam das mãos do delegado da Polícia Civil Erik Lessa o inquérito da Operação Tutela, sobre a chacina ocorrida na zona rural do município de Poção (Agreste Central), em 6 fevereiro deste ano, quando três conselheiros tutelares (Carmem Lúcia da Silva, de 38 anos; José Daniel Farias Monteiro, 31; e Lindenberg Nóbrega de Vasconcelos, 54) e uma dona de casa (Ana Rita Venâncio, 62) foram assassinados a tiros durante emboscada no Sítio Cafundó.
Os autos do procedimento, que conta com nove volumes e quase 2 mil páginas, foram entregues durante entrevista coletiva, na manhã desta segunda-feira (20), na sede da Polícia Civil. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) tem cinco dias para analisar o material probatório e apresentar a denúncia ao Poder Judiciário. O MPPE acompanhou de perto todo o trabalho de investigação policial, desde a ocorrência dos quatro homicídios consumados e um tentado, numa atuação conjunta dos Promotores de Justiça Ana Clézia Nunes, Edeilson Lins de Souza Júnior, Oscar Ricardo de Andrade Nóbrega e Jeanne Bezerra Silva Oliveira.
Desde o início da apuração os representantes do Ministério Público realizaram reuniões com o delegado de Polícia condutor do inquérito que objetivaram conhecer o resultado das diligências em andamento e participar da definição de outras diligências relevantes, e atuaram na emissão de manifestações sobre as medidas cautelares que foram requeridas ao Poder Judiciário.
Durante a entrevista coletiva, foram apresentados os detalhes do crime que chocou o País, e que teve como mandante e principal articuladora a oficial de Justiça Bernadete de Lourdes de Britto Siqueira Rocha, que é avó paterna da criança, cuja guarda e regime de visitas foi alvo de disputa familiar. De acordo com o inquérito policial, Bernadete contou com a intermediação e articulação do advogado José Vicente Pereira Cardoso da Silva.
José Vicente sabia das desavenças, chegando inclusive a acompanhar Bernadete em audiências sobre a guarda da criança. O advogado, por ter sido diretor da Penitenciária Advogado Brito Alves, em Arcoverde, possuía fácil trânsito na unidade prisional. Em duas ocasiões, nos meses que antecederam os crimes, ele levou Bernadete ao presídio, onde a mesma manteve contato com o presidiário Leandro José da Silva, mais conhecido como Léo, ou Léo de Coca, que cumpre pena por prática de homicídio.
De acordo com o inquérito policial, foi Léo quem fez a ligação entre Bernadete e os executores da chacina – Égon Augusto Nunes, Wellington Silvestre dos Santos, Orivaldo Godê (pai de Égon) e Ednaldo Afonso da Silva. José Vicente, acompanhou todo o planejamento da trama criminosa, inclusive participou de encontro entre Bernadete e Egon, em Arcoverde, para as tratativas mercenárias para a morte de familiares maternos da criança.
Dos acusados pelo crime, o único que se encontra foragido é Wellington Silvestre dos Santos. Ainda de acordo com as investigações, a mandante da chacina teria acertado o valor de R$ 45 mil pela morte da avó materna da criança, a Ana Rita Venâncio; do avô materno, João Batista; e de uma tia da criança, Juciclênia, pessoas que costumeiramente buscavam a criança em Arcoverde para as visitas quinzenais.
Bernadete antecipou em uma semana a visita da família materna e mudou o horário escolar da criança para a tarde, determinado que a criança somente deveria ser entregue a avó materna depois das 17h10 (e não às 11h, como acordado em juízo). Na ocasião, devido aos problemas de relacionamento já existentes entre as duas famílias e à impossibilidade de ser acompanhada pelo esposo e pela filha, Ana Rita Venâncio solicitou a ajuda aos conselheiros tutelares de Poção.
“O sistema de filmagens da escola da criança mostrou que a Bernadete passou duas vezes em seu carro em frente à escola, bem devagar e viu que a avó materna estava com os três conselheiros tutelares, mesmo assim, determinou aos executores que matassem todos, mesmo a criança, circunstância que demonstra o pleno domínio sobre o resultado (morte dos conselheiros e da avó da criança). A forma de execução dos crimes, a posição das vítimas (assassinadas dentro do veículo), a posição da criança no colo da avó – alvejada com dois projeteis de arma de fogo – e outras circunstâncias permitem afirmar que os autores – intelectuais, agenciadores e executores – assumiram o risco de matar a criança, por isso responderão pela tentativa de homicídio, também com as qualificadoras dos crimes consumados”, explicou a promotora de Justiça.
Outros detalhes do planejamento e execução do crime também foram apresentados, como por exemplo, um organograma com fotografias de parentes da família materna da criança, dentre as quais fotografia da avó vitimada, de seu esposo, filha, outros parentes (entre os quais um sobrinho do João Venâncio, Paulo, assassinado em Poção, sem autoria ainda elucidada) e dos padrinhos da criança (sobre a fotografia dos padrinhos consta a frase: casal que se envolveu onde não foi chamado).
“O organograma encontrado na casa de Bernadete revela o seu perfil criminoso. A forma como planejou os crimes aqui tratados demonstra ser pessoa extremamente racional, controladora e perigosa, e, a nosso ver, deu a ordem para matar também os conselheiros tutelares, na mesma linha da frase que aparece no organograma por terem se envolvido onde não foram chamados” destaca Ana Clézia.
Os promotores de Justiça ainda chamam a atenção para o fato de José Cláudio, filho de Bernadete e pai da criança, ter sido preso e posteriormente ter sido apresentado pela Polícia Civil pedido de revogação da prisão temporária em razão do não indiciamento. “O MPPE opinou favoravelmente ao pedido de revogação da prisão temporária e vislumbra a razoabilidade do posicionamento do delegado de Polícia Civil no não indiciamento, porque existiram indícios para a fundamentação e decretação legítima da prisão temporária, mas surgiram fatos e elementos novos que tornaram insuficientes os indícios iniciais para o seu indiciamento”, explicou o promotor de Justiça Edeilson Lins, acrescentando que o magistrado já recebeu o parecer do Ministério Público, que opina pela soltura.
O inquérito conta com 57 depoimentos, 9 volumes, mais de 2 mil páginas, aproximadamente 450 medidas cautelares e 7 indiciamentos.
Atuação Conjunta – Na época da chacina, o procurador-geral de Justiça, Carlos Guerra de Holanda, designou promotores de Justiça para tratar de assuntos ligados ao crime e acompanhar as investigações.