SANTA CATARINA – Biguaçu, Antônio Carlos e Governador Celso Ramos: MPSC recorre e obtém suspensão decretos que inverteram ordem de prioridade e desconsiderou a lei que estabelece a educação como essencial
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) obteve, em segundo grau, a suspensão dos decretos dos municípios de Biguaçu, Antônio Carlos e Governador Celso Ramos que restringiram as aulas presenciais nas redes pública e privada de ensino em todos os níveis a partir da quarta-feira (17/3), sem medida de mesmo teor em relação a atividades não essenciais. Assim, as aulas presenciais devem ser retomadas em todas as escolas do ensino básico, públicas ou privadas, que tenham plano de contingência contra a covid-19 aprovado, garantido o direito de opção dos pais ou responsáveis para a manutenção da atividade remota caso não se sintam seguros quanto à proteção sanitária oferecida pela escola.
Com as decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), estão suspensos todos os decretos municipais questionados pelo MPSC nas ações ajuizadas após os municípios da Grande Florianópolis anunciarem a suspensão das aulas presenciais como medida de combate à pandemia, enquanto mantêm abertas atividades não essenciais, ainda que com restrição de horário.
As liminares em segundo grau foram deferidas em regime de plantão, na noite desta quinta-feira (18/3), pelo Desembargador Norival Acacio Engel. Na decisão, Engel destacou que é de conhecimento público que o retorno às aulas presenciais foi amplamente discutido, desde meados de 2020, por diversas entidades que, em sua maioria, promovem a política educacional nos âmbitos estadual e municipal em Santa Catarina.
“Portanto, como enfatizado pelo Ministério Público, em nenhum outro Estado da Federação houve um planejamento coletivo tão pluralmente estudado e executado (em várias instâncias) para a criação de um plano de contingência em cada escola. Todas as escolas em Santa Catarina têm seus planos de contingência elaborados e homologados pelo Comitê Municipal. Por isso, não há nenhum cabimento para a suspensão das aulas presenciais antes de qualquer outra atividade, em especial não essenciais, pois apenas a educação conta com um catálogo de medidas preventivas, mitigatórias e de resposta ao incidente”, completou o Desembargador.
Em 10 das ações ajuizadas contra 15 municípios houve o deferimento do pedido do MPSC em primeiro grau: para Florianópolis, São José, São Pedro de Alcântara, Palhoça, Águas Mornas, Angelina, Anitápolis, Rancho Queimado, São Bonifácio e Santo Amaro da Imperatriz. Tijucas e Alfredo Wagner revogaram o decreto logo após o ajuizamento da ação. Na Comarca de Biguaçu, a Justiça local negou as liminares requeridas nas ações ajuizadas contra Biguaçu, Antônio Carlos e Governador Celso Ramos, mas o MPSC recorreu ao TJSC e reverteu a decisão.
Já os prefeitos de São João Batista e Major Gercino decidiram espontaneamente não publicar os decretos suspendendo as aulas. Em Nova Trento, o prefeito revogou o decreto por decisão própria. Em Canelinha, o decreto foi revogado após intervenção extrajudicial da Promotoria de Justiça.
Nas ações, o Ministério Público sustentou que, em um cenário de grave crise sanitária, o município pode legitimamente suspender as atividades educacionais presenciais. No entanto, a legalidade dessa medida deve ser avaliada no contexto mais amplo do combate à pandemia e vir, no mínimo, acompanhada de medidas restritivas idênticas ou mais rigorosas para todas as atividades não essenciais e não prioritárias.
No caso dos municípios da Grande Florianópolis, enquanto as aulas foram suspensas em todos os níveis, continuava autorizado, ainda que com horário limitado, o funcionamento de todas as atividades comerciais não essenciais, como restaurantes, bares, academias, salões de beleza e barbearias.
O Ministério Público destacou que, desde 8 de dezembro de 2020, com a aprovação da Lei Estadual n. 18.032/2020, as atividades educacionais em Santa Catarina estão definidas como essenciais, e o atendimento presencial está limitado a um mínimo de 30% da capacidade.
“Constata-se a partir do decreto vindicado uma inversão de prioridades nas práticas sociais, das instituições e dos entes públicos, porque, enquanto outras atividades – não essenciais inclusive – estão liberadas por completo ou restritas apenas parcialmente (restrição de percentual de ocupação ou de horário de funcionamento), em tese com embasamento científico, há evidente descaso social com a educação, talvez a única cumpridora efetiva dos protocolos (acompanhados e fiscalizados em todo o território catarinense pelo Ministério Público)”, argumentam os Promotores de Justiça que assinam as ações.
Os Promotores de Justiça sustentaram, ainda, que a escola é por excelência um espaço de promoção e de proteção de direitos, não apenas de fomento da educação formal. É no espaço escolar que a segurança nutricional e alimentar, a socialização, a convivência comunitária, o esporte e a cultura são concretizados. É na escola também que o trabalho infantil, a violência sexual, a violência psicológica, a violência física e a desnutrição são, na imensa maioria das vezes, identificadas e denunciadas.
“Nesse mesmo sentido, a relevância da escola como espaço de proteção para crianças e adolescentes que são vítimas de abusos e todas as formas de violência também se deve ao fato de que a maior parte dos abusos contra essa parcela da população ocorre justamente dentro de casa ou por pessoas próximas e de confiança da família”, completaram.
Além disso, o MPSC ressaltou que as crianças e adolescentes estão sofrendo imposição por algo que não provocaram – elas não aprofundaram a crise sanitária, mas, sim, outras diversas atividades sociais e econômicas pouco fiscalizadas, responsáveis por parcela significativa da disseminação do agente pandêmico.
Assim, as ações buscaram a suspensão liminar dos decretos com a posterior declaração de nulidade em sentença naquilo em que determina a suspensão das aulas presenciais no território municipal, em razão de ilegalidade e inconstitucionalidade, por violação da Lei Estadual n. 18.032/2020, que estabelece as atividades educacionais como essenciais no contexto do enfrentamento da pandemia de covid-19 em Santa Catarina, e do princípio da prioridade absoluta na garantia dos direitos da criança e do adolescente.