SANTA CATARINA – Live do MPSC aborda violência e preconceito contra idosos. Veja as principais dúvidas
Em alusão ao Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, 15 de junho, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) convidou a sociedade para dialogar, durante transmissão ao vivo pelo YouTube e pelo Facebook nesta quarta-feira (17/6), sobre as maneiras pelas quais a pandemia de covid-19 expõe idosos a uma vulnerabilidade ainda maior e a tirar dúvidas quanto à denúncia e identificação dos casos de violência contra a pessoa idosa.
“Esta semana e este mês são oportunidades para refletir sobre nossas práticas culturais, educativas e políticas que reproduzem e perpetuam a violência. É preciso que se fale a respeito do problema e que cada um reflita o que pode fazer de diferente no seu dia a dia para mudar a cultura que naturaliza a violência contra a pessoa idosa para uma cultura de maior acolhimento e respeito à dignidade de todas as pessoas”, considerou o Coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro Setor (CDH), Promotor de Justiça Douglas Roberto Martins.
Veja a gravação da live, na íntegra, no vídeo nesta página.
O Promotor de Justiça, por quase uma hora, dialogou sobre a temática com espectadores de diversas regiões do estado. Até a manhã desta quinta-feira (18/5), quase 1,5 mil pessoas já haviam assistido à conversa.
No contexto de distanciamento social e confinamento em casa dos grupos de risco, a importância de falar sobre violência contra a pessoa idosa se acentua, já que a maior parte (80,72%) das violações de direitos ocorrem na casa dos idosos e são cometidas por pessoas do seu convívio familiar, conforme apontou o “Balanço Geral de 2011 ao 1º semestre de 2019 – Pessoa Idosa”, relatório do Governo Federal que compila atendimentos realizados pelo Disque Direitos Humanos – Disque 100.
“A epidemia exige um olhar mais atento de todos, das instituições, da sociedade em geral, para combater e reduzir os riscos de que as pessoas idosas sejam expostas a um tipo de convívio prejudicial a sua saúde e dignidade. Com a pandemia, em especial porque os idosos integram um dos grupos de risco, vieram à tona discursos extremamente preconceituosos, que violam os direitos dessa população e a desvalorizam”, comentou Martins. Para uma espectadora que assistiu à live pelo YouTube, “a pandemia escancara o preconceito e a ojeriza para com as pessoas idosas”.
Preconceito estrutural e as formas de violência
Dentre os tipos de violência contra a pessoa idosa, conforme disposto no Estatuto do Idoso, estão todas as formas de desrespeito, preconceito, discriminação, depreciação, rejeição e intimidação. “Nós temos uma gama de condutas violentas que podem ser identificadas, desde a violência física, que é a mais perceptível, à violência psicológica, emocional ou verbal, que decorre justamente do preconceito estrutural”, explicou o Coordenador do CDH.
O ageismo, termo que denomina o tipo de preconceito com relação a uma pessoa por conta da sua idade, é, para Martins, uma tendência da sociedade que precisa ser combatida, especialmente diante do crescimento da expectativa de vida experimentado nos últimos tempos. “Dados do IBGE estimam que em 2030 a população idosa vai ser superior à população de crianças e adolescentes no Brasil. É preciso superar esses estereótipos. As pessoas idosas vivenciam um ciclo da vida como qualquer outro, tiveram e continuam tendo uma grande importância na nossa sociedade, por toda a experiência e conhecimento acumulado”.
A violência física, definida também como abuso físico, é caracterizada por atos e condutas que acarretem dano à integridade física da pessoa idosa, causando-lhe dor ou ferimentos. Há também a violência da negligência e do abandono, que envolve a falha no atendimento de necessidades básicas, tais como alimentação, habitação, higiene, vestimentas e cuidados de saúde. Manifesta-se, frequentemente, associada a outros abusos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais. “Normalmente, essas violências acabam ocorrendo de maneira associada e simultânea”, comentou Martins.
Já a violência sexual, que o Promotor de Justiça explicou sujeitar “mais as mulheres idosas, causando intenso sofrimento, em especial quando ocorre no interior da residência”, pode acontecer no próprio relacionamento conjugal ou ser praticada por outros indivíduos (como cuidadores e outras pessoas com as quais o indivíduo convive socialmente). Os agressores, aproveitando-se da situação de fragilidade da pessoa idosa, se utilizam de força física, manipulação psicológica ou substâncias psicoativas para submetê-la à prática de atos sexuais ou libidinosos sem o seu consentimento.
Na violência financeira, segundo tipo mais comum contra a pessoa idosa, há o uso ilegal ou não consentido de recursos financeiros e patrimoniais. Quanto a esse tipo de violência, Martins comenta que, muitas vezes, é somente percebida quando chega a um quadro grave. “Como essa violência costuma partir justamente do filho, do neto, da nora, o idoso pode não querer tomar providência com relação a isso. Por isso, a atuação do MP e dos órgãos de proteção não será somente repressiva. Para superar um quadro de fragilidade e de desestrutura familiar, a rede de proteção atua também trabalhando com a família como um todo, inserindo o próprio agressor em grupos de reflexão, por exemplo”.
MPSC e a atuação da rede de proteção
Durante a live, o coordenador do CDH explicou que o MPSC tem dois eixos de atuação quanto à proteção da pessoa idosa. “O primeiro é da tutela dos direitos coletivos, em relação à saúde, educação, trabalho, gratuidade do transporte, a reserva de vagas nos estacionamentos, entre outros. O segundo ponto é a proteção da individualidade da pessoa idosa. Quando se identifica que uma pessoa idosa teve um direito seu violado, seja por estar vivenciando uma situação de violência no seu contexto familiar, o Ministério Público tem a possibilidade de aplicar medidas de proteção”.
As diversas ações protetivas, previstas no Estatuto do Idoso, incluem encaminhar a vítima à responsabilidade de um familiar; orientar, apoiar e fazer o acompanhamento temporário da situação familiar; requisitar um tratamento de saúde que esteja sendo negado à pessoa idosa; incluir a pessoa idosa em programas comunitários e assistenciais de auxílio, orientação e tratamento; dar acolhimento definitivo quando faltar referência familiar ou quando a pessoa idosa não tiver mais condições físicas ou cognitivas para se manter de forma autônoma e independente.
Há mais de dois anos o MP catarinense vem atuando na construção de um protocolo com o objetivo de tornar a rede de proteção mais eficiente na prevenção dessas violências e na responsabilização do agressor. “É um trabalho desenvolvido a muitas mãos que busca organizar os serviços de cada órgão que atua na proteção da pessoa idosa vítima de algum tipo de violência e fazer com que exista um fluxo claro de encaminhamento entre eles”, comentou o Coordenador do CDH.
O projeto de construção do protocolo, já em sua etapa final, contará também com as perspectivas de profissionais da ponta de todos os municípios do estado. Com o preenchimento de formulários desenvolvidos especialmente com essa finalidade, trabalhadores do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e das Polícias Militar e Civil contribuirão com suas vivências e experiências.
Pensando também na importância de elaborar políticas públicas adequadas à realidade, o MPSC desenvolveu, ao longo dos últimos anos, o programa “Estímulo à criação e efetiva atuação dos Conselhos Municipais do Idoso”, voltado à implementação e ao fortalecimento dos conselhos de direitos da pessoa idosa, principais responsáveis pelas políticas públicas nos municípios. “Quando o MPSC iniciou o programa, tínhamos pouco mais de 80 conselhos municipais funcionando. Depois de três anos, nós contabilizamos mais de 280 conselhos municipais de defesa dos direitos da pessoa idosa ativos, ou seja, quase 100% dos municípios passaram a ter conselhos municipais. Hoje, nosso segundo desafio é tornar esses conselhos ativos, fazer com que sejam ouvidos e respeitados”, explicou Martins.
Denunciar é o primeiro passo
“Falar da violência contra idosos é também não se omitir diante dessa situação!”, escreveu uma espectadora durante a live. De fato, o Coordenador do CDH reitera a importância de fazer a denúncia ao suspeitar de situações de violência. “A Constituição Federal coloca como responsabilidade de toda a sociedade a proteção da pessoa idosa. Para quem tem conhecimento de uma situação de violência, é muito importante fazer a denúncia, seja utilizando o Disque 100 ou o Disque 181, da Polícia Civil”.
O MPSC também disponibiliza um canal de comunicação de denúncia, que pode ser acessado aqui. A manifestação será encaminhada à Promotoria de Justiça da comarca em que ocorreu o caso. Se a violência se passar dentro de alguma instituição pública ou de acolhimento, poderá se enquadrar como violência institucional. Neste caso, o Coordenador do CDH orienta: “Todas as 295 cidades do Estado de Santa Catarina são abrangidas por alguma comarca, e cada uma delas tem, pelo menos, uma Promotoria de Justiça dedicada à proteção da pessoa idosa. O cidadão pode procurar a promotoria da comarca do seu município e relatar sua situação; logo será instaurado um procedimento para apuração”.
Em sua conclusão, o Promotor de Justiça comenta que é necessário, entretanto, mais do que ações judiciais ou discursos – é preciso prática diária e valorização dos direitos humanos. “Vou me valer de uma frase que eu gosto bastante: o verdadeiro mal da velhice não é o enfraquecimento do corpo, mas a indiferença da alma. Não se protege exclusivamente por meio de uma ação judicial, de bandeiras ou de discursos. A base é o respeito, é o olhar para o outro. Essa prática dos direitos humanos é que proporciona o respeito às populações de acordo com as suas diversidades”, finalizou Martins.