SANTA CATARINA – Live do MPSC explica como identificar e denunciar violência sexual infantil durante isolamento social
Entendendo que o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes deste ano é diferente de todos os anteriores por conta dos impactos das medidas de distanciamento social, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) convidou a sociedade para tirar dúvidas e dialogar sobre o problema durante transmissão ao vivo pelo YouTube e Instagram nesta segunda-feira (18/5).
A live teve a participação de seguidores de todas as regiões do estado, incluindo conselheiros tutelares, e teve que estender a duração inicial, que seria de uma hora, em mais 30 minutos para que todas as perguntas fossem respondidas. Entre a transmissão ao vivo e as visualizações da gravação, até a manhã desta terça-feira (19-5), quase 2,5 mil pessoas já haviam assistido à conversa, que teve como pano de fundo assuntos como o fluxo de denúncia e as redes de apoio no contexto de distanciamento social.
Em abril de 2020, o número de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes registradas pelo Disque 100 sofreu queda de 19% em comparação ao mesmo período do ano passado, conforme dados divulgados nesta segunda-feira pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH). O Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega, comentou com preocupação essas informações durante a live, uma vez que, historicamente, quase 70% dos casos de violência sexual infantojuvenil ocorrem dentro de casa e são praticados por parentes ou pessoas próximas da família.
“Em outros países foi identificado um aumento dos casos de violência contra criança e adolescentes no período da pandemia por um motivo bastante lógico, já que costumam ser praticados dentro de casa. A subnotificação no Brasil gera bastante preocupação, porque há um abismo entre o número de casos existentes e o de denúncias feitas. Neste momento em que o convívio social está mais restrito e as crianças perderam seus espaços de convivência como escola, serviços socioassistenciais, esporte e lazer, a identificação pela rede de proteção é mais difícil. Isso reforça a necessidade de a sociedade estar muito atenta aos casos de violação de direitos”, comentou Botega.
A live
Laurentino, Rodeio, Peritiba, Cocal do Sul, Brusque, Porto Belo, Rosa de Lima, Santiago do Sul, Florianópolis – espectadores de diversos municípios do estado acompanharam a transmissão e encaminharam comentários e dúvidas ao Coordenador do CIJ. Veja alguns trechos e os principais assuntos comentados por Botega.
Denúncia
O medo é o monstro que faz as pessoas não denunciarem, principalmente as mães que passam por isso”. O comentário de uma usuária que acompanhou a live pelo Instagram relaciona-se a um dos grandes desafios no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes: o medo de denunciar. Sobre isso, Botega explicou que “a denúncia é anônima e, se for honesta, quem denunciou jamais poderá ser condenado criminalmente e civilmente por ter denunciado. O Estatuto da Criança e do Adolescente vigente desde 1990 é bastante claro: a denúncia pode ser feita havendo mera suspeita da ocorrência de qualquer tipo de violência praticada contra uma criança ou adolescente; basta ter indícios e sinais. Por isso, precisamos estar atentos, porque nem sempre a criança vai verbalizar. Devemos prestar atenção a mudanças de comportamento, à sexualização precoce, a várias circunstâncias em que essa criança pode demonstrar o abuso”.
Quando a denúncia é um caso de alienação parental – ou seja, feita com o objetivo de prejudicar outra pessoa e não de garantir os direitos da criança -, o Coordenador do CIJ explicou que “o sistema de Justiça, a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário e todos os órgãos envolvidos nessas questões têm farta experiência e condições materiais para saber separar o joio do trigo. Mas não é porque existem casos de alienação parental que vamos deixar de fazer as denúncias quando temos a suspeita de que algo está acontecendo com uma criança ou adolescente”.
Mesmo que o crime contra a dignidade sexual da criança ou do adolescente tenha ocorrido há algum tempo, o Promotor de Justiça esclarece que a regra continua sendo a mesma: “denuncie”. Nas denúncias de casos anteriores a 2012, “teremos que identificar que fatos foram esses na época, a partir desses fatos será feita a tipificação legal para identificar o crime cometido, a partir disso vamos olhar para a pena do crime e de acordo com a pena identificar qual o prazo que o Estado tinha para fazer essa investigação na época”. Hoje, o tempo máximo para que um caso de abuso sexual contra uma criança ou adolescente seja investigado é de 20 anos a contar da data em que o adolescente completa seus 18 anos.
Fluxo de denúncia
Botega explicou, durante a live, que o caminho percorrido por uma denúncia nos órgãos responsáveis depende do tipo de violação que foi cometida: se é uma violência aguda, se é um caso mais antigo, se é exploração sexual ou se é abuso sexual. “A regra geral é a comunicação para as autoridades competentes. No caso de abuso sexual contra a criança pego em flagrante, o encaminhamento deve ser feito à autoridade policial registrando boletim de ocorrência e acionando o Conselho Tutelar. Quando aconteceu há mais tempo ou foram identificados sinais e indícios de abuso, recomenda-se fazer a denúncia pelo Disque 100”. Outros canais de denúncia são as ouvidorias dos Conselhos Tutelares, do Ministério Público, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o aplicativo “Direitos Humanos Brasil”.
Escolas e redes de apoio
“De que forma os profissionais de educação podem abordar o tema da violência sexual nas escolas?”. Em resposta à pergunta enviada por uma usuária no Instagram, Botega comentou que “a escola tem um papel muito importante para passar informações sobre autoproteção para a criança, conversar para que entenda o que pode dizer ou não. No cenário de suspensão, nada impede que, nas atividades não presenciais, os professores aproveitem a data, 18 de maio, para encaminhar algum texto ou algum vídeo sobre a temática – inclusive há no site do MPSC diversos materiais que podem auxiliar. Mas tudo precisa ser feito de maneira muito cuidadosa e sensível; estamos tocando em assuntos complexos. Isso deve ser feito de forma articulada com a rede de proteção, deve ser buscada a direção da escola para que o professor não faça isso sozinho. É interessante procurar orientação do Conselho Tutelar e até da própria Promotoria de Justiça. Nós temos diversas experiências em vários municípios do estado em que a rede se articulou e executou projetos que levaram esse assunto para dentro da escola”.
“É necessário o fortalecimento do trabalho em rede, do estreitamento das relações entre os diferentes órgãos de proteção e o constante aprimoramento/atualização profissional”, comentou um internauta sobre a importância do trabalho em rede. Durante o período de distanciamento social, Botega destacou que esse trabalho continua sendo realizado. Um grupo de trabalho formado pelo MPSC em parceria com a Federação Catarinense dos Municípios (FECAM), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social do Estado de Santa Catarina (SDS-SC), a Secretaria de Estado da Saúde (SES) e a Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares (ACCT) discute intensamente todas as questões que envolvem o ciclo da violência sexual infantojuvenil em lives e reuniões por videoconferência com as regiões do Estado. O intuito é que o esforço seja otimizado e acelerado.
“Não há dúvida de que, independentemente da situação de isolamento social, os casos mais graves e mais urgentes devem ser atendidos pela rede de proteção, ainda que por outros meios. Não podemos, por conta da pandemia, deixar de proteger as crianças e adolescentes de atos tão graves. Temos um grupo de trabalho bastante avançado e encaminhamos orientações para que os municípios iniciem debates internos em cada rede de proteção para criação de protocolos de escuta especializada. Vários municípios já contam com um protocolo local estabelecido e com pessoas capacitadas ou em capacitação. Estamos elaborando um curso a distância e também um curso presencial para capacitar os entrevistadores para depoimento especial. O curso presencial estava quase pronto, mas precisamos suspender as atividades. Assim que possível, tanto o presencial quanto o EaD devem estar disponíveis”.
Desnaturalizar a violência
Pensamentos como “sempre foi assim” e “é melhor não me incomodar” ainda existem e naturalizam os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Por esse motivo, Botega destaca a importância de iniciativas que promovam direitos, como campanhas, por exemplo, e como a live, inclusive. “A live foi um momento importante de sensibilização e mobilização da sociedade catarinense a partir da utilização de ferramentas que têm um grande alcance para tratar de um tema tão importante que é o combate à violência sexual infantojuvenil”, conclui.