Santa Catarina: Ministério Público de Santa Catarina denuncia 48 pessoas ligadas à adulteração de leite
Segundo a denúncia, em Lajeado Grande, os crimes começaram no início de 2013, quando a organização criminosa foi criada com a finalidade de obtenção de vantagem patrimonial e financeira em razão da adulteração realizada no leite fornecido pela Laticínios Lajeado. No mesmo ano, os proprietários da empresa arregimentaram diversos parentes, amigos, funcionários e pessoas do seu convívio para constituir de modo simulado a Cooperativa Agroindustrial e Laticínios Lajeadense – Cooper Lajeadense, a qual nunca funcionou como cooperativa de fato, mas servia para que a empresa pudesse gozar de benefícios voltados apenas às cooperativas, como, por exemplo, linhas de crédito mais baratas.
Criada a cooperativa irregular, o grupo passou a falsificar notas fiscais de produtos químicos, usados na adulteração do leite, bem como distribuir o leite a vários estados brasileiros. Em cinco meses de investigação, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO), que nesta operação contou com a atuação de Promotores de Justiça, Policiais Civis, Policiais Militares, Auditores da Secretaria da Fazenda Estadual e fiscais do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA/SIF), comprovou a atuação da organização, que consistia em adicionar, indevidamente, ao leite in natura os seguintes produtos químicos: Peróxido de Hidrogênio (água oxigenada), Citrato de Sódio, Polifosfato, Hidróxido de Sódio (Soda Cáustica) e outros, como a adição de água e soro de leite.
A organização trabalhava de maneira a evitar quaisquer eventuais perdas do produto (leite cru), utilizando substâncias não permitidas e adulterando as características naturais do alimento, a fim de que este tivesse uma maior “durabilidade” por meio de adição de estabilizantes proibidos impróprios para o consumo humano, prevenindo a ocorrência do chamado leite ácido, o qual possui sua venda proibida.
O esquema montado pelos criminosos era liderado pelos sócios-proprietários da empresa, que tinham controle final da ação dos demais envolvidos, além de serem os maiores beneficiários dos crimes. Logo abaixo deles, na escala hierárquica da organização, está o químico que detinha o conhecimento técnico para a realização da adulteração do leite cru e quem determinava e orientava os demais empregados a executarem a adição indevida de substâncias químicas no produto comercializado pelo Laticínio.
Em Mondaí, a operação de adulteração do leite era a mesma, porém ocorria há pelo menos seis anos. Dezesseis pessoas ligadas à Laticínios Mondaí Ltda foram denunciadas por integrar organização criminosa, pela prática de falsidade ideológica e por crimes contra o consumidor.
Segundo o Ministério da Agricultura, o leite recebido da empresa Mondaí é um dos piores de Santa Catarina, principalmente no que se refere à quantidade de bactérias. A carga bacteriana aceita é, no máximo 300.000 bactérias por ml de leite. Na Laticínios Mondaí, a carga traz entre entre 1,5 milhão e 2 milhões de bactérias por ml de leite. Com esta quantidade de bactéria, o leite não resistira a longas viagens. Então, a empresa adicionava produtos químicos que mascaravam a contagem de bactérias, mas de forma que seja possível a detecção pelos testes laboratoriais do MAPA.
A ação dos químicos, tanto em Mondaí como em Lajeado Grande, foi fundamental para a operação. Após a realização de vários testes, os denunciados chegaram a uma fórmula onde conseguiram adulterar e corromper as cargas de leite de forma que o crime não fosse flagrado pelos protocolos dos órgãos oficiais de fiscalização.
A investigação pelo MPSC começou após informações repassadas pelo MAPA, que indicavam prática de habitual adulteração de leite bovino nas empresas. Foi quase meio ano de investigação para que os órgãos públicos chegassem aos criminosos e reunissem as provas legais.
Além de pedir a condenação dos denunciados pelos crimes previstos em lei, o MPSC pede que todas as informações apuradas no inquérito, inclusive as sigilosas, sejam compartilhadas com os órgãos competentes da esfera do consumidor bem como as autoridades fazendárias do Estado de Santa Catarina para a adoção das medidas cabíveis em defesa do consumidor como, por exemplo, “recall” dos produtos que se encontram nos estabelecimentos comerciais. Além disso, o Ministério Público pede a manutenção das prisões preventivas de 15 denunciados para que não interfiram nas investigações.
Como era feita a adulteração do leite
Passo 2: ao invés de descartar o leite fora dos padrões que adentrava em seu pátio, a empresa o internalizava e, para corrigir os baixos índices de qualidade do produto, indevidamente adicionava a ele substâncias químicas, principalmente citrato de sódio, peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e hidróxido de sódio (soda cáustica).
Passo 3: depois de internalizado, o leite tinha, via de regra, duas destinações, sendo usado para a produção de queijo, na própria empresa (no caso de leite com qualidade inferior), ou então revendido para outras empresas (dentre elas a Nestlé, a Mococa, a Danone e a Shefa, as três últimas sediadas no estado de São Paulo). Quanto a estas vendas, esclarece-se ainda que, o meio de manter-se a qualidade do leite até a chegada ao destino é, ou deveria ser, a sua refrigeração e higiene, sendo regra a partida do produto na temperatura de 1ºC (um grau Celsius).
Passo 4: o leite revendido era então carregado a partir dos silos, em caminhões com capacidade maior de carga (carga total de mais de 30.000 litros de leite), momento em que eram colhidas novas amostras e realizadas novas análises, uma vez que o leite que foi internalizado já não é mais o mesmo, por ter sido misturado com outro produto que estava nos silos anteriormente.
Passo 5: por fim, chegando nas empresas de destino, era realizada outra análise, para aferir se o produto podia ser lá recebido. Neste ponto, o produto já estava alterado, mas com composições químicas imperceptíveis pelos protocolos oficiais.
O MPSC apurou que a média de descarte de leite na matriz da Laticínios Lajeado em abril, maio e junho de 2014 foi de 19.500 litros por mês. Entretanto, após terem ocorrido as prisões e depois de ter sido intensificada a fiscalização pelo SIF/MAPA, em apenas 4 dias (de 19 a 22/08/2014) foram descartados 61.979 litros de leite – o que dá conta da péssima qualidade do leite regularmente internalizado pela empresa e posteriormente adulterado para então ser distribuído e vendido para o consumo humano.
Os produtos químicos
Hidróxido de sódio (soda cáustica)
O uso fraudulento da soda cáustica, adicionado ao leite, tem como objetivo substituir as boas práticas na produção ou processamento do leite, pois, por ser um produto neutralizante de acidez, reduz o nível de acidez do leite no qual foi adicionado e acaba por mascarar a contagem de bactérias, fazendo com que um leite fora dos padrões de contagem microbiana aparente estar em condições regulares.
Conforme Informe Técnico n.º 33 de 2007, expedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a soda cáustica é “uma substância corrosiva para todos os tecidos humanos e animais, que em contato com a pele provoca queimaduras severas. É considerado agente tóxico para ingestão.” Além disto, a segurança para a sua utilização na indústria de alimentos depende do seu grau de pureza. As impurezas resultantes do método de fabricação podem ser metais pesados como Chumbo, Mercúrio, e também Arsênico.
Como os denunciados utilizavam na adição ao leite a mesma soda cáustica industrial utilizada para limpeza de seu estabelecimento e equipamentos, acabavam por contaminar o leite adulterado com metais pesados, como, por exemplo, o Mercúrio.
Para se ter noção da gravidade, o Mercúrio apresenta ações neurotóxicas (ou seja, é tóxico para o sistema neurológico) e embriofetotóxicas (ou seja, tóxico para um embrião), o que agrava ainda mais as consequências nocivas que a adição da soda cáustica por si só traria ao alimento.
Peróxido de Hidrogênio (Água Oxigenada)
A fraude por adição de peróxido de hidrogênio em leite cru é feita devido ao efeito antibacteriano do referido produto químico, permitindo que más condições higiênico-sanitárias de obtenção, conservação e transporte sejam dissimuladas. A adoção dessa prática, e desacordo com a legislação vigente, objetiva o prolongamento da vida útil do leite até seu beneficiamento. Entretanto, o uso do peróxido de hidrogênio provoca a oxidação das gorduras do leite e a destruição das vitaminas A e E, sendo que com isso ocorre a redução do valor nutritivo do produto.
Além disso, o peróxido de hidrogênio é um produto químico corrosivo e que pode causar problemas gastrointestinais de leves a graves a depender da quantidade de produto adicionada ao leite.
Álcool etílico
A finalidade do uso do álcool é aumentar o volume do produto vendido, alterando o valor nutritivo diante da adulteração. Além disso, não há como saber a fonte do álcool etílico adicionado ao leite, podendo ser inclusive o etanol combustível, o qual pode ter resíduos de metais pesados.
Como o ponto de fusão do álcool é 78°C, mesmo pasteurizado (entre 72°C e 75°C), não há como garantir que todo álcool se volatize, sendo provável que esteja presente no produto final.
(Autos 0009987.80.2014.8.24.0081 e 0001147-98.2014.8.24.0043)