SANTA CATARINA – Segunda edição de webinar do MPSC debate principais desafios do retorno às aulas presenciais
Em transmissão acompanhada ao vivo por mais de mil participantes, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) promoveu nesta terça-feira (23/6), em seu canal do YouTube, um debate sobre os principais desafios do planejamento pedagógico para o retorno das aulas presenciais na educação básica. Temáticas como reorganização do calendário escolar, avaliação, cômputo da carga horária, desigualdade de acesso ao ensino remoto, atuação dos órgãos de controle e retorno híbrido das atividades escolares foram abordadas por cerca de duas horas pelos especialistas convidados.
“A pandemia tem várias características – a primeira é que a certeza de hoje é a dúvida de amanhã. Acompanhamos muitas mudanças em relação às formas de atuação; hoje temos um cenário e amanhã temos outro completamente diferente. Essas mudanças vão acontecendo ao longo do tempo e nós precisamos organizar muitas perguntas para encontrar as respostas adequadas”, afirmou durante a transmissão o Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE) Eduardo Deschamps.
É por conta desse cenário que a Coordenadora da Coordenadoria Estadual de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público de Minas Gerais, Promotora de Justiça Daniela Yokoyama, enfatizou a importância do planejamento de um retorno unificado e coordenado às atividades presenciais.
“Quando aconteceu a pandemia não tivemos tempo de pensar. Agora, podemos planejar minimamente esse retorno, inclusive a partir das experiências das atividades não presenciais. […] É preciso construir essa volta juntos, com a presença de vários atores”.
A transmissão, conduzida pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega, foi a segunda edição do projeto Webinars MPSC/CEAF e contou, ainda, com a participação do professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRGS) Gregório Grisa. O público que acompanhou a transmissão – professores, gestores das redes estaduais e municipais de educação e cidadãos de todas as regiões de Santa Catarina e do Brasil – interagiu e encaminhou dúvidas por meio de chat disponível durante todo o webinar.
Na manhã desta quarta-feira (24/6), a transmissão já contabilizava quase cinco mil visualizações no YouTube. Clique aqui para assistir ao conteúdo na íntegra e confira abaixo os pontos centrais do debate.
Definição dos objetivos de aprendizagem e flexibilização do ano letivo
Para minimizar os efeitos da suspensão das aulas presenciais na educação básica no processo de aprendizagem, o Conselheiro do CNE Eduardo Deschamps explicou que duas perguntas precisam ser respondidas: como fazer a escola chegar até o estudante no momento em que o estudante não pode ir até a escola e como fazer o estudante retornar com segurança à escola, garantindo ao menos as aprendizagens específicas deste ano letivo?
Com a finalidade de trazer soluções a essas questões, o CNE elaborou o Parecer n. 5/2020/CNE, que dispõe sobre a reorganização do calendário escolar. Um dos aspectos base da normativa é, conforme explicou Deschamps, a possibilidade de flexibilização dos currículos previstos para o ano letivo de 2020. O primeiro passo para avaliar essa flexibilização é “definir os objetivos de aprendizagem focais que devem e podem ser desenvolvidos ainda ao longo deste ano, quer por atividades não presenciais ou presenciais no retorno gradativo às atividades escolares”, esclareceu o Conselheiro do CNE.
O parecer também orienta sobre o desenvolvimento de atividades pedagógicas, que Deschamps explica terem como principal finalidade fazer a manutenção de estímulo para o retorno do aluno à escola. Quanto às orientações sobre avaliação, o Conselheiro do CNE comentou ser necessário ter atenção especial por conta da excepcionalidade do cenário atual. “Há uma preocupação do CNE de que não haja um aumento significativo de reprovação, que é muito traumática para a criança e para o jovem. É preciso fazer uma avaliação diagnóstica, identificar em que estágio está cada aluno, para que se possa saber que tipo de orientação e de trabalho fazer para recuperação e nivelamento dos estudantes que estão passando por este período”, enfatizou.
Oferta de carga horária e aproveitamento do estudante
Os desafios do atual cenário educacional revelam a importância de priorizar a aprendizagem em detrimento do simples cumprimento de horas, considerou o Coordenador do CIJ do MPSC, Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega. “Nosso foco deve ser a aprendizagem efetiva do aluno e não apenas o cumprimento da carga horária por seu próprio cumprimento. Quando olhamos para percentual de evasão escolar, distorção idade-série, percebemos o quanto ainda falhamos enquanto sociedade e enquanto Estado. O direito à educação só se realiza quando o direito à aprendizagem se materializa”, comentou Botega.
Segundo o Conselheiro do CNE, é importante diferenciar o que é oferta da carga horária do que é aproveitamento do estudante. “Na atividade presencial, se a escola oferta a atividade ou aula e o estudante está presente, mas não tem aproveitamento, a escola não é obrigada a repetir aquela carga horária exata, mas a oferecer programas de recuperação e reforço. Da mesma maneira, se o estudante faltar à aula, a escola não é obrigada a repor especificamente a aula que o estudante perdeu. Aqui, a gente transporta também essa situação para a questão das atividades não presenciais”.
Prioridade na retomada às aulas presenciais
Os especialistas convidados pelo MPSC concordaram quanto à situação especial e delicada da educação infantil no contexto de atividades não presenciais. “Na educação infantil, há um formato peculiar de conduzir o desenvolvimento das habilidades e da aprendizagem. As lacunas com a inatividade são grandes e o grau de saturação da convivência doméstica com crianças pequenas também é maior”, colocou o professor do IFRS. Por conta disso, Grisa apontou a prioridade que países como a China e Coreia estão dando à retomada das aulas presenciais na educação infantil.
O Conselheiro do CNE Eduardo Deschamps destacou também a importância do bom desenvolvimento das atividades pedagógicas na educação infantil em função das graves consequências caso ocorram perdas muito profundas nessa fase, mas aponta para o dilema da priorização do retorno às aulas presenciais. Mesmo sendo coerente o “retorno primeiro da educação infantil pela dificuldade de manter o desenvolvimento das atividades de maneira totalmente satisfatória fora escola e porque muitos pais precisam trabalhar, o ponto negativo do retorno prioritário da educação infantil é a dificuldade em fazer cuidados sanitários adequados para as crianças não se tornarem vetores do vírus”, considerou Deschamps.
Retorno híbrido das aulas presenciais
“O retorno vai ser gradual, de alguma forma híbrido, combinando atividades presenciais e remotas e pautado por revezamentos”, considerou o professor do IFRS, embasando-se em estudos já em andamento em outros países. “No Reino Unido, estão analisando a possibilidade de criar grupos focais por disciplina ou área interdisciplinar para realizar encontros por cerca de 40 a 50 minutos, com 3 a 6 estudantes”.
Considerando a realidade brasileira, Grisa enfatizou a importância de pensar “alternativas interdisciplinares, trabalho por projetos, trabalhos integradores, para não transformar o retorno das atividades num intensificador das desigualdades”. Para Deschamps, outro aspecto que precisa de atenção com a adoção de um sistema híbrido de ensino é o cuidado de não sobrecarregar professores. Nesse sentido, é necessário que as escolas centralizem “o planejamento e organização das aulas e que os professores na ponta sejam muito mais mediadores, num papel um pouco diferente quando atuam de maneira presencial. Na atuação presencial, a aula é muito de autoria própria do professor. Agora, a autoria pode ser muito mais ampla para a rede como um todo com o uso da tecnologia e de outras formas de organizar”, afirmou o Conselheiro do CNE.
As transformações resultantes das medidas adotadas para minimizar os impactos da covid-19 na saúde pública consolidaram algumas tendências, consideraram os especialistas. Para Deschamps, a escola, que já passava por mudanças com os avanços tecnológicos, precisou quebrar “a quarta parede” da sala de aula. “Com a tecnologia, podemos ter o mundo dentro da sala de aula e a sala de aula interagindo com o mundo. Não é mais uma sala de aula com quatro paredes, mas de três paredes”, comentou.
Além disso, o Conselheiro do CNE acredita que os desafios enfrentados reiteram o importante papel do professor no processo educacional. O professor do IFRGS afirmou algo semelhante: “A pandemia mostrou que o papel do docente é fundamental e que as tecnologias que, eram até então, utilizadas culturalmente de forma acessória, podem ser ferramentas que qualificam muito o processo de ensino”.
Desigualdade de acesso ao ensino remoto e importância dos órgãos fiscalizadores
As desigualdades econômicas e sociais brasileiras foram aspectos que também se escancararam com a crise epidêmica, considerou o professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul Gregório Grisa, e isso tem impacto no âmbito educacional. “Os estudantes que mais têm dificuldade de acessar o ensino remoto qualificado ou qualquer tipo de ensino são justamente os mais vulneráveis, mais pobres. No caso brasileiro, esse estudante é preto, pardo, morador das periferias das grandes cidades ou do meio rural interiorano”, disse.
Os órgãos fiscalizadores têm papel fundamental nesse contexto para a garantia de acesso, equidade e aprendizagem no retorno das aulas presenciais, destacou a Coordenadora da Proeduc do Ministério Público de Minas Gerais. “Este momento muito duro escancarou problemas que já existiam, como desigualdade educacional e questões ligadas à rede privada também. Como a gente vai lidar com isso? Neste contexto, coloco o MP como mais um ator de controle da política pública”. A Coordenadora complementou enfatizando a importância do acompanhamento dos órgãos fiscalizadores das medidas que estão sendo implementadas de forma excepcional nos municípios: “A partir desse acompanhamento é possível pensar no pós, que é muito mais amplo, porque não estamos falando só de questões pedagógicas”.
Comitê gestor e atuação do MPSC
No início de maio, o MPSC promoveu uma reunião com a finalidade de iniciar as discussões para estabelecer propostas de consenso entre todos os envolvidos no retorno às aulas após a suspensão das atividades presenciais em razão da pandemia de covid-19. Foi formado, então, um comitê interinstitucional para retomada das aulas, que já providenciou a criação de grupos de trabalho em diversas frentes para a formulação de protocolos.
O Conselheiro do Conselho Nacional de Educação enfatizou a importância da criação de comitês gestores, como o criado em Santa Catarina por meio da atuação do MPSC. “No parecer que está em elaboração pelo CNE, vamos trazer muito forte a necessidade de um comitê gestor em cada uma das instâncias, estadual, federal, municipal”.
A Coordenadora da Proeduc do Ministério Público de Minas Gerais também comentou sobre o Comitê para Retomada das Aulas criado no estado. “O exemplo da construção do comitê interinstitucional de Santa Catarina é o caminho que todos os estados deveriam seguir, e isso não deveria ser facultativo; deveria acontecer de maneira verdadeiramente orgânica, para construção conjunta”.
Parafraseando o jornalista Henry Louis Mencken, o Coordenador do CIJ do MPSC afirmou nos momentos finais da transmissão: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Com a citação, Botega reiterou que não existem soluções simples neste momento e que é essencial trabalhar de forma integrada e dialogada para construir o protocolo de retorno às aulas presenciais de forma segura e participativa.