Em artigo, Coordenadora Geral do MPSE, posiciona-se contra PEC 37
Investigação Criminal e PEC 37: O que uma coisa tem a ver com a outra? O que isso tem a ver comigo?
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
(Pra não dizer que não falei de flores,Geraldo Vandré).
De início, importa saber do que trata a Proposta de Emenda Constitucional n. 37/11. A denominada PEC 37, em tramitação no Congresso Nacional, visa acrescentar um parágrafo ao art. 144 da CF/88, no qual se pretende fazer constar que a apuração das infrações penais seja de atribuição privativa das polícias Civil e Federal.
Observa-se, pois, que a inclusão do advérbio “privativamente”, almejado pela PEC 37 é uma palavra que modifica a atual sistemática constitucional e legal destinada à investigação criminal. Isso porque denotará atribuição investigativa exclusiva, de um único sujeito, a polícia, e, consectariamente, retirará de outros órgãos, a exemplo do Ministério Público (MP), o poder-dever investigatório que lhe é hodiernamente garantido.
Diante desse panorama, a possibilidade de investigação criminal direta pelo Parquet (e por outros órgãos estatais, a exemplo das CPIs, polícias internas da Câmara dos deputados e do Senado federal etc.) encontra-se ameaçada pela PEC 37.
No caso específico do MP, malgrado não se encontre dispositivo constitucional que de maneira explícita confira a atribuição (alguns preferem o termo competência) investigativa na esfera criminal ao Parquet, tal função emana, lógica e sistematicamente, do Texto Magno e de diplomas infraconstitucionais.
Nesse diapasão, o MP foi erigido, pela Constituição Federal, a instituição essen-cial à função jurisdicional do Estado e responsável pela defesa da ordem jurídica, dos interesses indisponíveis (art. 127, caput, CF/88), exercendo o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, CF/88; arts. 3º, 9º e 10, LC n. 75/93; art. 4º, § 1º, LC Estadual n. 02/90), que pode e deve requisitar diligências investigatórias (art. 129, VIII, CF/88; art. 16, CPP; art. 26, IV Lei n. 8.625/93; art. 7º, II, LC n. 75/93) por ser o destinatário dessa mesma investigação na condição de dominus littis da ação penal pública (art. 129, I, CF/88).
Não há, portanto, que se falar em privatividade da atuação investigatória da polícia judiciária. Essa conclusão é corroborada por doutrinadores do mais alto gabarito. Marcos Kac salienta que o inquérito policial demonstra que, ao contrário dos já aclamados princípios do Promotor Natural e do Juiz Natural, não há no procedimento administrativo o princípio da Autoridade policial Natural,
Não só os Membros do Ministério Público, como também o cidadão e a socieda-de não podem compactuar com tal medida! Ora, como aceitar se pode aceitar – seja no âmbito da razão individual, seja quando considerada a opinião pública – que o menos é mais? Ou seja, que a investigação de crimes promovida apenas pela polícia é melhor que essa mesma investigação realizada conjuntamente entre a polícia e o MP (ou qualquer outro órgão público que queira contribuir com a verdade dos fatos)?
Abstraindo-se o nítido viés corporativista da PEC/37, tem-se notório que a polícia não possui condições físicas e humanas para investigar com exclusividade, na medida em que é explícita a situação de salários defasados e muito aquém da honrosa e perigosa atividade policial, efetivo reduzido, departamento pericial precário, falta de informatização e armamento de ponta, limitação de munição, de coletes, de viaturas (não raro sucateadas e sem combustível). Esse triste quadro poderá ser ainda agravado com a aprovação da PEC 37, que, em vez de fortalecer a polícia, poderá sobrecarregá-la, e, o que se revela ainda pior, majorar a cifra da impunidade, já alta também em decorrência das dificuldades mencionadas, com o aumento dos crimes sem elucidação.
É importante frisar que a possibilidade de investigação pelo MP em nada suprime ou restringe a função investigatória da atividade policial. De equânime modo, não concentra a investigação no agente ministerial. Há, sim, uma atuação colaborativa, em conjunto, com o escopo comum às duas insignes Instituições: garantir a segurança pública e zelar pela concretização do justo.
Como obtempera Marcela Gama de Souza, em recente estudo sobre o tema, não se trata de centralizar o poder investigatório só na Polícia, pois a atuação conjunta desta corporação com o Ministério Público pode contribuir, e muito, na investigação e a elucidação de crimes, afastando, ou ao menos tentando reduzir, o sentimento de impunidade incutido na sociedade brasileira.
Nessa mesma linha, penso que a direção correta é aquela que se trilha junto, superando as “pedras do caminho” e aproveitando o que cada um tem de melhor, com o propósito de realizar os sonhos comuns.
Podemos, enfim, responder que a questão da investigação criminal está intimamente relacionada à matéria objeto da PEC 37, que, se aprovada, poderá significar uma relação conflituosa entre instituições que deveriam caminhar juntas na busca pela redução da criminalidade e na luta pela punição dos criminosos. E a persecução criminal atrelada ao sancionamento penal dos responsáveis pelos delitos tem tudo a ver comigo, com você, com o Estado e com a sociedade.
Então vem, vamos embora! Esperar não é saber… façamos acontecer! Caminhando no sentido da efetiva colaboração entre MP e Polícia indicada e desejada pela Constituição Federal. E cantando a soma dos esforços dos agentes públicos, a independência harmoniosa e a união das Instituições. E seguindo a canção que ecoa da boca do povo brasileiro clamando incessantemente por Justiça!
1 KAC, Marcos. O Ministério Público na investigação penal preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 115-116.
2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 65.
3 SOUZA, Marcela Gama de. O poder de investigação do Ministério Público na esfera criminal. In: BELÉM, Greyce Mendonça et. al. Instrumentos de atuação extrajudicial do Ministério Público. Porto Alegre: Verbo Jurídico, p. 99.
Fonte:
Texto – MPSE
Foto – MPSE