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“PEC 37: A PEC da impunidade. A consagração do modelo de isolamento institucional”, veja artigo feito pela PGJ do Acre, em parceria com promotor

Em artigo intitulado “PEC 37: A PEC da impunidade. A consagração do modelo de isolamento institucional”, a procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Acre, Patrícia de Amorim Rêgo e o promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Cruzeiro do Sul do MPAC, Ildon Maximiano Peres Neto, abordam fundalmentalmente a constitucionalidade do poder de investigação do Ministério Público. O texto foi publicado na mídia do Estado do Acre.

“A Constituição Federal de 1988 foi prodigiosa na definição de direitos e garantias às pessoas, representando um marco na construção do Brasil democrático, o que se reflete na série de conquistas sociais alcançadas nos seus mais de 20 anos de vigência. 

Erigido a condição de órgão responsável pela proteção dos mais importantes valores definidos pela Carta de 1988, notadamente a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público teve posição de destaque nestes anos, com especial ênfase no combate à criminalidade, assim como no enfrentamento a corrupção na Administração Pública. São muitos os poderosos interesses que foram enfrentados neste período, do que decorreram ferrenhos ataques às prerrogativas e atribuições da instituição, que tem resistido, muito, graças ao apoio que vem recebendo da sociedade. 

O mais recente decorre da Proposta de Emenda à Constituição n. 037/2011, a PEC 37, que visa conferir às Polícias Civil e Federal o monopólio da investigação de infrações penais, retirando do Ministério Público o poder de investigação nesta seara. Tal projeto foi recentemente aprovado por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o que despertou o receio por sua futura aprovação, por representar um retrocesso à eficiência do sistema de apuração de infrações penais no Brasil, ainda mais aquelas para as quais têm sido notórias as dificuldades de atuação policial. 

Da leitura da justificativa da proposta fica claro o interesse de impedir a realização de investigações pelo Ministério Público. Como não haveria regulamentação legal, defende-se que as investigações realizadas pela instituição deveriam ser proibidas. Afora o desacerto desta afirmação, visto que as investigações ministeriais encontram regramento na Resolução n. 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público, é no mínimo inusitado que o órgão responsável pela construção das leis brasileiras possa vir a reclamar da falta desta regulamentação. É como se o síndico de um condomínio quisesse proibir o uso da área de lazer comum de um prédio, porque não existe regulamentação a respeito de sua utilização. Se a consideração é esta, de vácuo legislativo, basta que o Congresso Nacional cumpra sua função institucional e legisle, editando uma norma que venha a tratar do assunto, isso, claro, em acordo com o que preconiza a Constituição Federal. 

Interessante ver, ainda, que a ideia do monopólio investigatório da polícia não encontra grande respaldo mundo afora. Ao contrário, a quase totalidade dos países defere ao Ministério Público, de alguma forma, o poder investigatório de infrações penais. Na verdade, do que se tem notícia, apenas Quênia, Indonésia e Uganda deferem exclusividade à Polícia nos trabalhos de investigação criminal. Logo, com a aprovação da PEC 37/2011, estaremos nos distanciando do paradigma mundial para nos unirmos a um seletíssimo grupo de países que, convenhamos, jamais poderiam ser considerados como de vanguarda na proteção dos direitos humanos e no combate à criminalidade.

 
Ademais, embora não se mencione na sua justificativa, a proposta também atinge outros órgãos públicos, como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a Controladoria Geral da União e o Conselho Tutelar, que ficarão impedidos de rea-lizar investigações de situações que configurarem crime. A tais órgãos caberia apenas informar a situação e aguardar que a polícia – que com a estrutura atual já não tem condições de investigar todos os crimes – realize o trabalho de elucidação desses fatos. 

Outro problema da proposta é que a Constituição atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. O Parquet é fiscal da polícia. Como, então, ele poderia exercer essa função no caso de crimes praticados por policiais, se não tem competência investigatória? Seria o caso inusitado de um fiscal cego, sem força, quase que decorativo. Aliás, se é monopólio da Polícia a investigação criminal, com a mudança pretendida, quem investigaria os crimes praticados por policiais, senão a própria polícia? 

Em um momento em que as facilidades tecnológicas têm garantido um incremento na criminalidade organizada, sendo evidente, ainda, o aumento dos índices de violência e de crimes sem efetiva elucidação especialmente nas capitais brasileiras, seria razoável esperar que houvesse uma união, não a criação de um monopólio na investigação criminal. É necessária a soma de esforços na repressão ao crime, especialmente com relação à corrupção e os desmandos no trato da coisa pública, assim como o combate a outros tipos de crimes que envolvem a participação de intrincadas organizações criminosas, com infiltrações no próprio Estado. 

Não faltam bons exemplos de atuação do Ministério Público, seja em investigações solitárias, seja em atuação conjunta com outros órgãos. Em nível nacional são muitos os exemplos que culminaram com ações de ampla repercussão no que toca o combate à corrupção na Administração Pública, ao crime organizado e até mesmo nos crimes praticados por alguns maus policiais. 

No Acre a atuação investigatória trouxe grandes benefícios, dentre eles boa dose de contribuição no desmantelamento do esquadrão da morte, grupo criminoso que solapava as bases do nosso Estado ao fim dos anos 1990. Tem-se também o caso da Operação Tentáculos, em que Ministério Público, polícia e Detran lograram êxito na prisão de inúmeras pessoas, suspeitas de participar de um esquema de falsificação de carteiras nacionais de habilitação. 

Mais recentemente, o Estado do Acre assistiu a deflagração da operação Delivery, que, fruto de uma atuação conjunta entre Ministério Público e Polícia Civil, representou um duro golpe a uma complexa, extensa e bem organizada rede de prostituição e exploração sexual de mulheres, a qual contava, inclusive, com a participação de pessoas dos mais altos escalões sociais.

Parece evidente, assim, que não se pode esperar que um órgão, sozinho, consiga fazer aquilo que, hoje, muitas outras instituições se esmeram com afinco para tentar realizar. É a união de esforços que garantirá a diminuição dos crimes e a punição efetiva dos agentes, não o encastelamento institucional, com rígida separação das instituições, que atuariam em feudos consubstanciados em suas respectivas atribuições.  Esta, aliás, é a diretriz que se encontra na maioria dos países, nos quais são evidentes os bons resultados decorrentes de parcerias institucionais.

É quase um lugar-comum afirmar que o grande problema do país é a impunidade. Difícil acreditar que ele será resolvido com a concentração de investigações num único órgão, ainda mais nos últimos anos em que, finalmente, tem se sentido o alcance do sistema penal em todos os setores da sociedade.

Enquanto o crime se organiza com a união de esforços entre os agentes, pela aprovação da PEC 37, as entidades públicas se separariam em seus feudos, cada uma atuando em separado, em um modelo de efetivo isolamento institucional. Certamente não é o cidadão quem ganha com isso, mas a criminalidade, o que justifica o apelido de PEC da impunidade.

Esperamos que o Congresso Nacional atue com sabedoria no exame da questão, rejeitando esta proposta que depõe contra toda a sociedade. É um alento, aliás, que vários Parlamentares de escol já tenham manifestado seu repúdio, o que se espera seja seguido por seus Colegas acrea-nos e por toda a sociedade, que não pode permanecer estática diante da diminuição das garantias de proteção e efetividade no combate à criminalidade, especialmente a organizada e de colarinho branco”. 

Por:

Patrícia de Amorim Rêgo – procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre;

Ildon Maximiano Peres Neto – promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Cruzeiro do Sul/AC.

Fonte:

Texto -Jornal A Gazeta

Foto – Imprensa do MPAC

 

 

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